Níger: região do Sahel continua necessitando provas de humanidade, depois de dez anos de violência armada

Níger: região do Sahel continua necessitando provas de humanidade, depois de dez anos de violência armada

A região do Sahel é propensa a sofrer conflitos, assim como crises climáticas, socioeconômicas e políticas. Peter Maurer, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), finalizou hoje uma visita de quatro dias no Níger. Durante a sua visita, foi acompanhado pelo presidente da Confederação Suíça, Ignazio Cassis, e pela presidente do Conselho Nacional Suíço, Irène Kälin. Reuniu-se com a sua excelência o presidente Mohamed Bazoum e com representantes do governo, líderes comunitários e pessoas deslocadas em Tillabéri, Diffa e Agadez. Iniciado em janeiro de 2012 no Mali, o conflito e a violência armada tiveram um alto custo para a população do Sahel. Maurer compartilha aqui as suas impressões.
Declaração 10 fevereiro 2022 Níger Burkina Fasso Mali

Durante esta semana, em Tillabéri e em Diffa, me reuni com famílias deslocadas que atravessaram inúmeras provações insuportáveis pelas quais nenhuma pessoa deveria ter que passar. Algumas famílias — ameaçadas — tiveram que fugir das suas casas. Sofreram a morte de entes queridos, o saqueio das suas colheitas. Em assentamentos informais, hoje tentam reconstruir as suas vidas em meio às inclemências climáticas e à insegurança.

As questões ambientais, o acesso aos serviços básicos e a dinâmica dos conflitos são interdependentes e pesam sobre as vidas de milhões de pessoas, para as quais têm consequências dramáticas. Quando a violência e as crises se sobrepõem, a população costuma ver-se obrigada a fugir várias vezes, o que desgasta os seus frágeis meios de subsistência. Muitas delas correm o risco de ficar em uma situação de insegurança alimentar.

As famílias vivem na incerteza e não sabem se poderão retornar às suas casas. Apesar de tudo, demonstram uma valentia fora do comum. Mais do que nunca, desejam recuperar a sua dignidade e conquistar a sua autonomia econômica.

Os depoimentos que escutei no Níger são apenas uma amostra do drama que perdura também há vários anos nos países vizinhos, Mali e Burkina Faso. Na região do Sahel, a última década da crise humanitária tem sido árdua, mas ainda é difícil determinar a magnitude das suas consequências no longo prazo.

As dificuldades de acesso aos serviços básicos e à assistência humanitária são notórias nas zonas propensas a conflitos armados ou a outras situações de violência. Afetam principalmente as comunidades que se encontram isoladas ou são obrigadas a se expor a importantes riscos, ao terem que percorrer longas distâncias para obter ajuda. Calculamos que cerca de um milhão e meio de pessoas vivem em zonas do Sahel, onde o acesso à ajuda humanitária e aos serviços básicos se tornou praticamente impossível.

Para os organismos humanitários, a insegurança gerada pela presença de dispositivos explosivos improvisados, a multiplicação dos atores implicados na violência e o nível de conflitividade em grandes extensões de território dificultam a entrega de ajuda. Neste complexo contexto, o CICV e os voluntários das organizações da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho prestam assistência às pessoas mais vulneráveis, orientando-se sempre pelos princípios de imparcialidade, neutralidade e independência. O nosso diálogo permanente e construtivo — quando é possível com todas as partes em conflito — é primordial para garantir o respeito aos princípios e às normas do Direito Internacional Humanitário (DIH), em particular, a proteção da população civil, pessoas feridas ou doentes, e pessoas capturadas, detidas ou desaparecidas.

No decorrer dos últimos anos, os deslocamentos da população se multiplicaram na região do Sahel. Esta crise passou a ser cada vez mais visível nos centros urbanos e periurbanos. Nessas áreas já se instalaram mais de dois milhões de pessoas deslocadas, cada vez mais jovens e mais vulneráveis. Vi se acelerar essa triste comprovação de um deterioro lento — mas inegável — da situação humanitária de milhões de pessoas em toda a região do Sahel nas minhas frequentes visitas à região nos últimos anos. Hoje, por exemplo, Burkina Faso enfrenta a pior crise da sua história, com mais de um milhão e meio de pessoas deslocadas. A última década de conflitos e violência armada multiplicou por dez o número de pessoas deslocadas, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Cidades inteiras asfixiadas pelo êxodo colocam à prova a hospitalidade e a coesão social entre as comunidades. Os efeitos de uma demografia em aumento constante, somados à mudança climática e aos conflitos propiciam não somente o empobrecimento e o deterioro dos recursos naturais, mas também uma transformação profunda na sociedade, tanto agrícola, como pastoril. Dada essa situação, existe um temor de que os conflitos se intensifiquem.

Frente a essa situação, os serviços básicos se veem diante de um enorme desafio. Apesar de todos os seus esforços, as estruturas de saúde estão totalmente colapsadas devido ao fluxo imprevisível de pessoas feridas e deslocadas que precisam de atendimento médico. O pessoal médico é alvo de ataques. As ambulâncias e os medicamentos são roubados, fazendo com que milhares de pessoas fiquem sem o acesso vital à assistência à saúde.

Na região do Sahel, onde mais se pode ver a violência é no centro do Mali. O número de pessoas feridas que dão entrada no hospital regional de Mopti, ao qual prestamos apoio, aumenta constantemente: passou de 345 a 610 entre 2019 e 2021. As equipes médicas atenderam um total de 1.485 pessoas feridas do decorrer dos últimos três anos.

Depois de uma década, ainda fazemos a mesma pergunta: como proteger a população civil contra a violência e lhes proporcionar os meios para recuperar a dignidade e a esperança, por si mesma e para si mesma?

A resposta a essa pregunta está estreitamente vinculada à gestão dos recursos naturais, como a terra e a água. São necessárias soluções duradouras e concretas para ajudar a população a enfrentar os efeitos combinados dos conflitos armados prolongados e da mudança climática.

As respostas humanitárias já não são suficientes. Não podemos responder somente aos problemas imediatos. Os organismos humanitários, os organismos para o desenvolvimento e as parcerias entre o setor público e o privado devem reunir forças para recuperar a situação econômica da população. As famílias, em particular a juventude, devem poder recuperar o controle dos seus meios de subsistência para quebrar o ciclo de dependência da ajuda humanitária.

A proteção da população civil nos conflitos armados é uma preocupação primordial do CICV. Apesar de todos os desafios, não desistimos nem desistiremos. Lembramos incansavelmente a todos os Estados e grupos armados da sua obrigação de proteger a população contra as consequências dos conflitos e da violência armada. Ainda é preciso dar provas de humanidade na região do Sahel.

 

Mais informações:
Halimatou Amadou, CICV Dacar, tel.: +221 78 186 46 87
Tarek Wheibi, CICR Niamei, tel.: +227 828 112 71