Algumas semanas atrás, visitei Mossul, lugar de uma batalha emblemática da guerra no Iraque. A destruição física era imensa, e, embora não fosse visível, era muito evidente que o tecido social estava se desintegrando.
Este é o caso para as comunidades afetadas por conflito e violência no mundo inteiro – na Síria, Sudão do Sul, Iêmen, Myanmar e outros. Os conflitos destroem as comunidades na sua essência.
A discriminação e o ostracismo são uma realidade cotidiana para milhões de pessoas em zonas de conflito ao redor do mundo. A exclusão marca as pessoas de muitas maneiras.
Algumas são expulsas das sociedades – sobreviventes da violência sexual, pessoas com deficiências. Elas são os ignorados, os invisíveis, os sem voz. São excluídos dos serviços básicos, da vida em comunidade, da educação e do trabalho.
Outras são excluídas deliberadamente como punição – aquelas acusadas de cometer atos terroristas e detidas sem processo judicial, as relacionadas com o inimigo, incluindo as famílias dos combatentes estrangeiros.
Como poderão as sociedades reparar as divisões sociais, que podem escalar em ciclos de violência que passam às gerações futuras? Como pode se obter a paz, assegurando que haja justiça e que os inimigos sejam tratados de modo humano?
O Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos possuem algumas das respostas, que estão cristalizadas nos princípios de imparcialidade, não discriminação, inclusão, igualdade, humanidade, dignidade e ação.
O Direito Internacional Humanitário não faz nenhum julgamento sobre os motivos dos combates, nem discrimina contra ou entre as pessoas que protege. A humanidade é para todos.
Este ano se comemora o 70º aniversário das Convenções de Genebra. As Convenções foram adotadas no período posterior à Segunda Guerra Mundial, em um mundo que passou por acontecimentos horríveis tremendos e que nunca mais quer que se repitam.
Era um mundo que sentia dolorosamente a lacuna na proteção legal dos civis que estavam no território de um Estado inimigo, incluindo as pessoas detidas por uma potência protetora por razões de segurança. Foi uma época em que milhões de civis em territórios ocupados não estavam protegidos contra a deportação, eram tomados como reféns ou internados em campos de concentração.
E, pela primeira vez, foram estipuladas em normas internacionais as obrigações vinculantes para proteger os civis – homens, mulheres e crianças comuns.
Tão forte foi o espírito humanitário e a determinação para aliviar o sofrimento das pessoas que as negociações duraram apenas quatro meses em 1949.
O processo de negociação não foi especialmente fácil. Reconheceu os dilemas, incluindo os direitos legítimos dos Estados sobre a segurança, desenvolvendo o DIH para navegar entre a necessidade militar e as considerações humanitárias para alcançar a melhor proteção para as populações afetadas por conflito.
Prezados colegas,
Em 2019, precisamos do mesmo modo estabelecer necessariamente conversações difíceis sobre como aplicar as normas nas guerras complexas da atualidade: em que os conflitos são cada vez mais prolongados e travados em áreas urbanas densamente povoadas; em que as batalhas são assimétricas e a distinção entre civis e combatentes é difícil; em que os civis são mais vitimados do que nunca e a estigmatização é onipresente.
Não são discussões simples, e os imperativos de segurança – humana e dos Estados – devem ser respeitados. Porém, do mesmo modo que em 1949, o diálogo e a ação devem ser centrados, acima de tudo, na proteção da grande quantidade de civis afetados, e outras pessoas fora de combate, e no respeito aos seus direitos e dignidade.
O Direito Internacional Humanitário (DIH) protege contra as percepções perigosas de que certos grupos não são humanos, podendo ser descartados ou maltratados com impunidade. Ninguém está fora da proteção das normas.
O DIH pode auxiliar as sociedades a viverem juntas novamente uma vez que terminem as guerras, já que prioriza o tratamento humano e digno das pessoas excluídas – ao invés de medidas que alimentam a retaliação.
O DIH pode nos guiar com relação ao respeito dos princípios básicos nas operações de contraterrorismo e nas guerras assimétricas.
Do mesmo modo importante, a ação humanitária não deve ser restringida para que possa ser implementada sem discriminação. As organizações humanitárias imparciais não podem ajudar as pessoas de modo eficaz e em tempo hábil se a ação humanitária estiver sob risco de criminalização ou impedida por posições exacerbadas de soberania, procedimentos elaborados de sanções e medidas de contraterrorismo.
Os princípios humanitários também significam que as próprias organizações humanitárias devem ser mais inclusivas: empoderar as comunidades afetadas por conflitos, buscando ativamente os que são discriminados, ignorados ou excluídos.
À luz deste imperativo, o secretário-geral nas Nações Unidas e eu nos unimos, ontem, à defensora dos direitos Julienne Lusenge para fazer um apelo sobre o fracasso em abordar o enorme dano causado pela violência sexual e de gênero. Essas violações são normalmente transformadas em estigma, não sendo tratadas. Comprometemos as nossas organizações para melhorar a ação em favor dos sobreviventes da violência sexual no mundo inteiro.
Setenta anos desde a criação das Convenções de Genebra, estamos buscando novas conversações, um novo consenso sobre essas questões difíceis.
O mundo avançou desde 1949, e devemos ter aprendido as lições. Os padrões mínimos de humanidade já foram acordados universalmente. Não devemos ter que passar por mais horrores em grande escala para chegar outra vez a esse compromisso. É hora de os defensores da imparcialidade e humanidade darem um passo adiante.