Declaração

Toda vida humana merece segurança e dignidade: apelo para tornar o Direito Internacional Humanitário uma prioridade política

ICRC President Mirjana Spoljaric delivers speech at UNGA

As seguintes observações foram proferidas pela presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Mirjana Spoljaric, em 28 de janeiro de 2025, durante um evento de assinatura convocado pelo presidente da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Philemon Yang, com o apoio do CICV, sobre a importância de defender o Direito Internacional Humanitário (DIH).

No evento, a presidente Spoljaric fez um apelo aos Estados para que se unissem a uma iniciativa global lançada pela África do Sul, Brasil, Cazaquistão, China, França e Jordânia com o CICV para incentivar o apoio ao DIH.

Sr. Presidente,

A evidência é clara: hospitais reduzidos a escombros, bairros civis destruídos e vidas inocentes perdidas. Em todo o mundo, o respeito pelo Direito Internacional Humanitário (DIH) está em crise, ameaçando a própria humanidade que estas normas procuram preservar.

Esta não é uma questão abstrata. É algo que impacta milhões de vidas todos os dias e cuja recuperação custa centenas de bilhões de dólares.

Este mês visitei Líbano, Síria, Israel, Gaza e Cisjordânia. Vi tanto sofrimento. Tantos escombros. Tanta devastação. Diante dessa angústia, o importante não é quem ganha ou quem perde. O importante é que uma vida humana é uma vida humana e que todo ser humano merece viver em segurança e dignidade.

Conheci pessoas cujas vidas foram irrevogavelmente alteradas porque os seus direitos segundo o DIH foram desrespeitados. O mesmo poderia ser dito de milhões de outros civis que vivem conflitos armados na República Democrática do Congo, Ucrânia, Sudão, Myanmar e outros lugares.

Sr. Presidente,

Gostaria de lhe agradecer ter-nos convocado aqui hoje para discutir a importância do DIH. O senhor abriu a 79ª sessão da Assembleia Geral sob o tema “Unidade na Diversidade”.

Isto é precisamente o que as Convenções de Genebra representam: um corpo universal de Direito Internacional ratificado por todos os Estados, que se esforça por proteger um mínimo de humanidade compartilhada. Os princípios fundamentais do DIH transcendem constituições, fronteiras, religiões e culturas nacionais.

No entanto, o que vemos é uma tolerância aparentemente ilimitada com relação à morte, à destruição e à desumanização. Se continuarmos nesse caminho, aonde isso nos levará? Já vimos guerras sem limites, sem respeito pela dignidade humana. Vemos agora divisões cada vez mais profundas, tornando o grande esforço pela paz mais difícil do que deveria ser.

O DIH não se destina a prevenir guerras, mas a conter o uso excessivo da força. Uma vez desencadeada, a violência desenfreada gera riscos de segurança global ainda maiores onde e quando menos se espera. Em outras palavras: é do interesse de todos os Estados defender o DIH para proteger a segurança do seu próprio povo.

O CICV, juntamente com África do Sul, Brasil, Cazaquistão, China, França e Jordânia, lançou uma iniciativa global para revigorar o compromisso político com o DIH. Este é um esforço excepcional porque a situação atual assim o exige. As guerras futuras serão travadas com base nos padrões estabelecidos pelos conflitos de hoje e não podemos permitir que os padrões sejam ainda mais rebaixados.

Nos próximos dois anos, confrontaremos juntos alguns dos desafios mais prementes que o DIH enfrenta. Escolhemos alguns tópicos que justificam o pensamento coletivo e convidamos todos a participarem de grupos de trabalho sobre eles para oferecer recomendações concretas.

Isso inclui:

  • Prevenir as violações: sabemos que é possível travar a guerra respeitando as normas da guerra. Desenvolvamos boas práticas, aprendamos uns com os outros e reforcemos o nosso compromisso coletivo para prevenir violações sistemáticas do DIH.
     
  • Proteger hospitais e infraestruturas civis: hospitais, lares, escolas e serviços essenciais são protegidos pelo DIH. Apesar disso, as violações ocorrem com demasiada frequência e com alarmante desrespeito.
     
  • Adaptar o DIH para o futuro: precisamos pensar sobre como as normas da guerra se aplicam às novas tecnologias e considerar os desafios que os conflitos em grande escala podem trazer, incluindo as operações militares no mar.
     
  • Vincular o DIH à paz: qualquer conflito armado deve ser combatido com um plano para eventualmente regressar à paz. É por isso que é essencial analisar como a adesão ao DIH pode contribuir para os esforços de mediação.

As conclusões preliminares serão compartilhadas no segundo semestre deste ano. Também convocarei um conselho consultivo de alto nível para nos apoiar na condução deste processo político durante os próximos dois anos. Todo este trabalho culminará em uma reunião global no final de 2026 para reafirmar o nosso compromisso compartilhado com o DIH.

As divisões geopolíticas são profundas, mas o multilateralismo não está morto. O sistema da ONU ainda é a espinha dorsal dele. Esta iniciativa não visa politizar o DIH, e sim eliminar os silos tradicionais e elevar o DIH ao nível de uma prioridade política.

O DIH não é negociável. A responsabilidade de defendê-lo e preservá-lo é igualmente assumida por todos os Estados em todas as circunstâncias.

Como presidente de uma organização cujo mandato é promover as normas da guerra, imploro a todos os membros da Assembleia Geral que se unam a esta iniciativa.

Obrigada.

ICRC President Mirjana Spoljaric seen on big screen delivering speech at UNGA