Os hospitais da Cruz Vermelha ainda atendem sobreviventes da bomba atômica 70 anos depois
Consequências Duradouras das Armas Nucleares na Saúde
Preparado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em cooperação com a Cruz Vermelha Japonesa
Em 2015, setenta anos depois dos bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki, os hospitais da Cruz Vermelha Japonesa nessas duas cidades ainda atendem milhares de pessoas que sobreviveram às explosões e que ainda sofrem os efeitos duradouros na saúde, causados pela exposição à radiação nuclear.
A Cruz Vermelha Japonesa administra hospitais para sobreviventes das bombas atômicas em Hiroshima desde 1956 e em Nagasaki desde 1969. Durante o período de gestão da Cruz Vermelha até 31 de março de 2015, esses hospitais em conjunto realizaram mais de 2,5 milhões de visitas a pacientes ambulatoriais sobreviventes dos bombardeios atômicos e mais de 2,6 milhões de pacientes foram internados nesses estabelecimentos.
Hiroshima
Somente no período anual finalizado em 31 de março de 2015, o hospital de Hiroshima para sobreviventes da bomba atendeu 4.657 pessoas oficialmente reconhecidas como tal cujo atendimento envolveu 62.130 visitas ambulatoriais e 34.807 internações.
Das mortes de sobreviventes da bomba atômica ocorridas no hospital até março de 2014, quase dois terços (63%) foram atribuídas a tumores malignos (câncer) dos quais o mais frequente foi o câncer de pulmão (20%), seguido pelo de estômago (18%), fígado (14%), leucemia (8%), intestino (7%) e linfoma maligno (6%).
Nagasaki
No período anual finalizado em 31 de março de 2015, o Hospital Genbaku, administrado pela Cruz Vermelha Japonesa, atendeu 6.030 pessoas oficialmente reconhecidas como sobreviventes por meio de visitas ambulatoriais e 1.267 internações nesse estabelecimento. O atendimento a essas pessoas envolveu 36.260 visitas ambulatoriais aos sobreviventes e outras 23.865 visitas aos seus filhos, destacando a preocupação com os efeitos das armas nucleares na saúde da segunda geração. O hospital de Nagasaki também realizou 18.187 visitas a sobreviventes internados e 12.878 visitas aos filhos dos sobreviventes.
No hospital de Nagasaki, 56% das mortes de sobreviventes dos bombardeios atômicos, no período anual que finalizou em março de 2014, foram atribuídos a diversos tipos de câncer, sendo o de pulmão o mais frequente (38%), seguido pelo de fígado (12%) e de estômago (9%). Além disso, casos de câncer de cólon, no sistema linfático, vesícula biliar e pâncreas juntos somaram 24% das mortes decorrentes de câncer entre os sobreviventes.
Questões de saúde para uma população mais ampla do que os sobreviventes dos bombardeios atômicos
Desde março de 2014, o governo japonês reconheceu oficialmente 192.719 sobreviventes, que ainda estavam vivos, dos ataques a bomba ou hibakusha. Dessas pessoas, 119.169 foram diretamente expostas no momento dos bombardeios, 45.260 foram expostas ao entrar nas cidades semanas depois, 20.939 foram expostas durante atividades de ajuda, sepultamento ou outras semelhantes, e 7.351 foram bebês natimortos no período da exposição dos seus pais (incluídos nos tipos de exposição supramencionados).
De acordo com estudos citados pelo presidente honorário do Hospital de Genbaku da Cruz Vermelha Japonesa, a incidência de leucemia entre os sobreviventes atingiu um ápice de 4-5 vezes mais do que a de um grupo de controle não exposto nos últimos anos depois dos bombardeios atômicos, antes de diminuir 10-15 anos depois. Crianças com idade inferior a dez anos expostas à radiação atômica em 1945 foram depois diagnosticadas com um tipo de leucemia (SMD) que normalmente ocorre em idosos em um índice quatro vezes superior do que na população geral. As crianças sobreviventes dos bombardeios também demonstraram uma tendência a sofrer de múltiplos tipos de câncer ao longo das décadas, cada um desenvolvendo-se de maneira independente. Isso se atribui à exposição do corpo inteiro à radiação no momento da explosão, causando estragos nas células-tronco em múltiplos órgãos que, por sua vez, pode produzir células anormais que se tornam cancerígenas.
A saúde dos filhos não expostos à radiação, cujos pais são sobreviventes dos ataques a bomba, vem sendo acompanhada intensamente nos últimos anos. Essas crianças nasceram anos depois que seus pais hibakusha foram diretamente expostos à radiação. Esta população da "segunda geração" inclui cerca de 200 mil pessoas que atualmente estão chegando aos 50-60 anos, idade propensa ao câncer. Se a exposição à radiação danificou os genes dos hibakusha, como se comprovou com estudos em animais, a transmissão hereditária dos efeitos da radiação será uma preocupação em longo prazo que exigirá anos de tratamento. Um estudo epidemiológico de grande escala desta população já está sendo realizado.
O impacto psicológico da exposição aos bombardeios atômicos também é significante, mesmo entre os sobreviventes saudáveis, já que os graves riscos de doenças relacionadas com a radiação entre os sobreviventes são bem conhecidos. Estudos realizados em 1995 usando a metodologia da Organização Mundial da Saúde demonstraram instabilidade psicológica duradoura, incluindo depressão e transtorno de estresse pós-traumático entre os muitos sobreviventes. As pessoas que perderam parentes durante os bombardeios e as que sofriam de doenças da radiação tendem a ter uma instabilidade psicológica mais pronunciada. A condição de saúde delas em geral se deteriora todos os anos quando agosto se aproxima. O medo da radiação é um problema clínico comum quando os médicos avaliam as condições de saúde dos sobreviventes uma vez por ano, em conformidade com a política do governo japonês.
À luz do grande número de sobreviventes que ainda estão vivos, espera-se que muitos milhares de pessoas ainda precisarão de atendimento por parte dos hospitais da Cruz Vermelha e de outros hospitais nos próximos anos por causa de doenças relacionadas com a radiação.
Principais mensagens
O uso de duas armas nucleares relativamente pequenas em 1945 resultou no aumento dos níveis de leucemia e outros tipos de câncer entre os sobreviventes das bombas atômicas ao longo dos 70 anos, sendo que ainda se esperam novas doenças e enfermidades para os próximos anos. As consequências na saúde relacionadas com os danos genéticos às crianças não expostas, cujos pais são sobreviventes, são uma grande preocupação. Os efeitos das armas nucleares na população de Hiroshima e Nagasaki exposta à radiação produziu uma enorme quantidade de casos médicos que foi difícil de tratar antes da reconstrução da infraestrutura de saúde no Japão pós-guerra. A maioria dos países não poderia prestar assistência à saúde adequada a uma população exposta ao uso de uma arma nuclear no período imediatamente posterior à explosão e tampouco poderia atender as necessidades dos sobreviventes em longo prazo. Poderia se esperar que o uso de múltiplas armas assole os recursos de saúde individuais e coletivos mesmo nos países mais desenvolvidos.
Em agosto de 1945, a Cruz Vermelha Japonesa, depois assistida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), estava entre as primeiras organizações a levar assistência para os doentes, feridos e moribundos em Hiroshima e Nagasaki. Embora o hospital da Cruz Vermelha Japonesa em Hiroshima tenha sido praticamente destruído, as suas paredes de pedras ainda se mantiveram de pé e milhares de pessoas correram para o estabelecimento em busca de ajuda e segurança. Os funcionários da Cruz Vermelha que sobreviveram tentaram prestar a assistência que podiam, apesar de 85% deles mesmos – profissionais de saúde – estarem feridos e quase 10%, mortos (51 de 554). Na realidade, no entanto, o hospital não poderia mais funcionar adequadamente já que o seu laboratório estava destruído e a maioria dos remédios, contaminados pela explosão. Além disso, não havia possibilidade de realizar transfusões de sangue, já que os doadores estavam ou mortos ou haviam desaparecido. Dos mil pacientes que se refugiaram no hospital no primeiro dia, 600 morreram rapidamente.
Com base nessa experiência de tentar assistir os sobreviventes de bombardeios atômicos e uma avaliação mais recente das suas próprias capacidades e das de outras agências internacionais, o CICV concluiu que um meio efetivo de assistir atualmente a uma porção substancial de sobreviventes de uma detonação nuclear, ao mesmo tempo em que se protege adequadamente aqueles que prestam a assistência, não está atualmente disponível na maioria dos países e não é factível em nível mundial.
A experiência de Hiroshima e Nagasaki e uma recente análise do CICV também convenceu o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho que as armas nucleares não devem nunca mais ser usadas e que as negociações para proibir o seu uso e eliminar as armas nucleares são necessárias com urgência, em conformidade com as obrigações existentes.
Os setenta anos de assistência contínua da Cruz Vermelha Japonesa aos sobreviventes das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki são um testemunho impressionante da sua força, compromisso e perseverança em nome da humanidade. O mesmo compromisso por parte de toda a comunidade internacional é agora preciso para garantir que não haja mais outras Hiroshimas ou Nagasakis. A humanidade pode e deve aprender com essa experiência.
Notas
1. Dr Masao Tomonaga, «Case Study: Use of Atomic Bomb in War – Hiroshima and Nagasaki », em « Unspeakable Suffering: The Humanitarian Impacts of Nuclear Weapons », Reaching Critical Will, 2013.
2. Idem
3. Honda, et al., Mental health conditions among atomic bomb survivors (2002), Psychiatry and Clinical Neuroscience, vol. 56, No. 5, pp. 575-583, como citado em ibid.
4. « Hundred Years History of Japanese Red Cross Hiroshima Branch", publicado pela filial de Hiroshima da Cruz Vermelha Japonesa (1991)
5. "Soixant ans après: Le Désastre de Hiroshima", Dr. Marcel Junod (CICV), Labor et Fide (2005), p.58