Pessoas desaparecidas: dar passos além de romper o silêncio
Por Simone Casabianca-Aeschlimann, Chefe da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
Este é o quarto ano em que informações sobre o desaparecimento de pessoas são apresentadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com a colaboração dos estados e do DF. O 11º Anuário, em 2017, apresentou os registros feitos entre 2007 e 2016, revelando uma média de pouco mais de 69.000 casos por ano.
Tratava-se da primeira compilação dos Boletins de Ocorrência de desaparecimento.
Na edição atual, o Anuário informa que 77.907 registros foram contabilizados em 2018 e 79.275, em 2019. O Anuário também informa que 15 estados e o Distrito Federal (DF) compartilharam informações sobre o número de pessoas localizadas, tendo sido 37.619 em 2018 e 39.086, em 2019. Uma nota técnica observa que os registros de pessoas localizadas podem corresponder a casos de desaparecimento registrados em outros anos ou a situações não reportadas como desaparecimento.
Em 2017, quando os primeiros dados foram publicados, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) intensificava seu trabalho no Brasil sobre desaparecimento devido a múltiplas circunstâncias.
Convidado a comentar os dados do 11º Anuário, observou que as informações compiladas pelo Fórum refletiam parcialmente a magnitude do problema, mas representavam um primeiro passo para acabar com o silêncio em torno da temática.
Passados três anos desde então, é possível ver que outros passos foram dados.
Em 2017, faltavam informações de 13 estados e o Anuário não trazia os números de pessoas encontradas. Na época, também não havia uma lei específica ou uma política pública sobre o desaparecimento de pessoas.
Atualmente, questões importantes permanecem em aberto e ainda não é possível afirmar quantas famílias seguem esperando por seus entes queridos. Os dados não apontam a quantos registros de desaparecimento correspondem as pessoas encontradas em cada ano e há casos registrados que podem ter sido solucionados.
Mas também é verdade que, desde 2018, muitos estados e o DF passaram a informar no Anuário o número de pessoas encontradas. Um maior número de estados passou a organizar e reportar registros de desaparecimento. E, finalmente, em 2019, uma lei federal estabeleceu a Política Nacional de Busca e o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas.
A Lei 13.812/2019 definiu como pessoa desaparecida "todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, não importando a causa de seu desaparecimento, até que sua recuperação e identificação tenham sido confirmadas por vias físicas ou científicas". A nova Lei também determinou a implementação de serviços de atenção psicossocial às famílias dos desaparecidos e reconheceu que a busca é uma prioridade em caráter de urgência para o Estado. Em relação a isso, atribuiu às autoridades a responsabilidade de definir diretrizes de investigação, coordenar ações de cooperação operacional e consolidar as informações sobre casos de desaparecimento.
A execução destas ações deve se converter em um mecanismo eficiente e participativo de busca e localização de pessoas e de identificação e correta gestão sobre falecidos, permitindo o aprimoramento dos dados sobre desaparecimento e seu tratamento em respeito a uma política adequada de proteção.
Tudo isso vem ao encontro do que o direito internacional prevê quanto à responsabilidade dos Estados em responder ao direito de saber e às outras necessidades das famílias das pessoas desaparecidas.
Independentemente das circunstâncias do desaparecimento, os familiares enfrentam a incerteza sobre o que aconteceu com seu ente querido. Eles navegam entre a angústia da espera e a expectativa do encontro. A incerteza e a esperança aprisionam as famílias em buscas sem fim, e, muitas vezes, em um luto que nunca se realiza. Não são poucos os prejuízos econômicos, sociais ou jurídicos, e as consequências à saúde e aos afetos destas pessoas. Muito frequentemente elas passam a viver isoladas, imaginando que o desaparecimento é uma tragédia individual.
Quando informações mais claras se tornam disponíveis sobre a quantidade e o perfil de casos de desaparecimento, não só as autoridades têm melhores condições de endereçar o problema, como as próprias famílias podem entender que não são as únicas a viver aquele drama.
E quando este processo de compreensão é acompanhado da abertura de canais de comunicação entre as famílias e as autoridades, as consequências do desaparecimento podem ser amenizadas. De acordo com o que o CICV tem observado através de seu trabalho direto com famílias de desaparecidos no Brasil, esta é, com certeza, uma das dimensões importantes do enfrentamento do fenômeno no Brasil.
Para o caminho à frente, a Lei 13.812/2019 e o interesse de muitas instituições públicas e da sociedade civil indicam que novos passos podem ser dados, com coordenação e integração de iniciativas e com ampliação da participação das famílias que esperam por uma resposta.