Donetsk, Ucrânia, hospital 21. Bloco cirúrgico com janelas cobertas por sacos de areia. Capucine Granier-Deferre/CICV

Proteção de hospitais durante conflitos armados: o que diz o DIH

De acordo com o Direito Internacional Humanitário (DIH), estabelecimentos e unidades de saúde, incluindo hospitais, não devem ser atacados. A proteção também é conferida a pessoas doentes e feridas e a profissionais e veículos de saúde. Essa norma tem poucas exceções.
Artigo 02 novembro 2023

Que tipo de proteção específica as pessoas feridas e doentes têm durante conflitos armados?

Durante conflitos armados, feridos e doentes são todos aqueles que precisem de assistência à saúde e não participem ou já tenham deixado de participar nas hostilidades, sejam militares ou civis.
De acordo com o DIH, todas as pessoas feridas e doentes, independentemente da parte em conflito a que pertençam, têm direitos gerais de serem:
● Respeitadas (não sofrer ataques, assassinatos ou maus-tratos);
● Protegidas (direito de receber assistência e proteção contra danos provocados por terceiros);
● Buscadas e retiradas;
● Tratadas sem nenhuma distinção, exceto por motivos de caráter médico.
O DIH permite a busca, o resgate e a prestação de assistência "na medida do praticável" (ou seja, levando em conta as condições de segurança e os meios disponíveis). No entanto, a falta de recursos não justifica a inação. Até mesmo quando os recursos forem limitados, os Estados e atores não estatais em um conflito devem fazer tudo ao seu alcance para garantir a prestação de assistência à saúde aos doentes e feridos. Ou seja, devem prestar a melhor assistência ao seu alcance aos feridos e doentes o mais rápido possível. Essa obrigação inclui permitir que organizações humanitárias imparciais prestem assistência à saúde quando as necessidades dos feridos e dos doentes não puderem ser atendidas; essa permissão não deve ser rejeitada de forma arbitrária.
A proteção outorgada a feridos e doentes não faria sentido se os profissionais, as unidades e os estabelecimentos de saúde (p. ex., hospitais) e os veículos de saúde fossem alvo de ataques. Portanto, o DIH lhes confere proteções específicas; as partes em conflito devem respeitá-los enquanto estiverem desempenhando um papel exclusivamente médico e não devem interferir indevidamente no trabalho deles para tratar pessoas doentes e feridas.

Em que circunstâncias estabelecimentos e unidades de saúde perdem a proteção outorgada pelo DIH?

De acordo com o DIH, a regra geral é a proteção específica dos estabelecimentos e unidades de saúde (incluindo hospitais). Portanto, a proteção específica a que hospitais têm direito não será retirada, exceto se forem utilizados por uma das partes em conflito para cometer, fora de suas funções humanitárias, um "ato nocivo ao inimigo". No caso de dúvida se uma unidade ou estabelecimento de saúde estiver sendo utilizada para tal fim, deve-se supor que não.
A expressão "ato nocivo ao inimigo" não é definida pelo DIH. Esse corpo jurídico apenas menciona alguns atos reconhecidos expressamente como não nocivos ao inimigo, como porte ou utilização de armas leves individuais para a própria defesa ou a defesa de feridos ou doentes, a colocação de guardas armados em um estabelecimento de saúde ou a presença de combatentes doentes ou feridos que já não participam das hostilidades.
Apesar da ausência de uma definição acordada, a justificação para a perda de proteção é clara. Unidades e estabelecimentos de saúde são protegidos por causa de sua função de cuidar de doentes e feridos. Quando forem utilizados para interferir de forma direta ou indireta em operações militares, causando assim um dano ao inimigo, a justificação para essa proteção específica é removida. Por exemplo, se um hospital for utilizado como base, para lançar um ataque; como posto de observação, para transmitir informações de valor militar, como arsenal; como centro de contato com tropas em combate ou como abrigo para combatentes fisicamente aptos.

O que pode ser considerado como "ato nocivo ao inimigo"?

Um ato nocivo ao inimigo pode expor um estabelecimento ou unidade de saúde a ataques, colocar em grave perigo as pessoas doentes e feridas confiadas a seus cuidados e gerar desconfiança do trabalho dos estabelecimentos ou unidades de saúde em outras situações, diminuindo assim o valor protetor do DIH de forma geral.
Além disso, dependendo das circunstâncias, certos atos nocivos ao inimigo podem constituir uma violação das obrigações preventivas de proteger pessoas feridas e doentes, bem como profissionais e objetos de assistência à saúde, contra os efeitos dos ataques, ou uma violação da proibição de usar escudos humanos. Um exemplo concreto seria a instalação de um estabelecimento ou unidade de saúde perto de um alvo militar com a intenção de protegê-lo das operações militares do inimigo.
Finalmente, esse tipo de conduta pode resultar em outras violações do DIH ou até mesmo em crimes de guerra. Por exemplo, a realização de atos nocivos ao inimigo onde estabelecimentos e unidades de saúde estejam exibindo os emblemas distintivos (a cruz vermelha, o crescente vermelho ou o cristal vermelho) também constitui um uso indevido dos emblemas – ou o crime de guerra da perfídia, se a intenção foi matar ou ferir um combatente inimigo.

O DIH impõe requisitos legais adicionais para atacar uma unidade ou estabelecimento de saúde utilizado para cometer um ato nocivo ao inimigo?

Antes de organizar um ataque contra um estabelecimento ou unidade de saúde que tenha perdido sua proteção, deve ser dada uma advertência. Quando for o caso, essa advertência deve incluir um prazo para a obtenção de permissão para atacar se não for ignorada. O propósito da advertência é permitir a quem estiver cometendo um "ato nocivo ao inimigo" deter tal ato ou – caso persista – permitir a evacuação segura dos doentes e feridos que não são responsáveis por essa conduta nem deviam ser suas vítimas.
Se a advertência for ignorada, o inimigo já não tem a obrigação de se abster de interferir no trabalho de um estabelecimento ou unidade de saúde ou de tomar medidas positivas para ajudar nesse trabalho. Mesmo assim, considerações humanitárias relativas ao bem-estar dos feridos e dos doentes que estejam sendo atendidos no estabelecimento em questão não podem ser desatendidas. Essas pessoas devem ser poupadas e, na medida do possível, devem ser tomadas medidas ativas para garantir sua segurança.
Essas disposições derivam da obrigação de respeitar e proteger os feridos e os doentes e das normas gerais para a condução das hostilidades aplicáveis aos ataques contra objetivos militares. Cabe assinalar que a parte atacante continua sujeita ao princípio da proporcionalidade. A vantagem militar que provavelmente seja obtida com ataques contra estabelecimentos ou unidades de saúde que perderam a proteção deve ser comparada com as consequências humanitárias que provavelmente decorram dos danos ou da destruição causados a essas instalações: um ataque desse tipo pode ter efeitos secundários ou terciários incidentais significativos na prestação de assistência à saúde no curto, médio e longo prazo.
A parte atacante também continua sujeita à obrigação de tomar precauções em seu ataque; em particular, fazer tudo ao seu alcance para evitar ou pelo menos minimizar o dano sofrido por pacientes e especialistas em saúde que podem não ter nenhuma relação com aqueles atos e para quem as consequências humanitárias serão especialmente graves. As medidas abaixo devem ser tomadas para minimizar o impacto direto e indireto desse tipo de ataques na prestação de serviços de assistência à saúde, na medida do possível e sempre que for relevante do ponto de vista operacional:
● Preparar um plano de contingência para abordar a interrupção estimada dos serviços de assistência à saúde e restabelecer a prestação completa assim que possível;
● Considerar a tomada de medidas para a evacuação e gestão adequada dos pacientes e dos especialistas de saúde;
● Interromper o ataque se as instalações deixarem de satisfazer os critérios que resultam na perda da proteção (p. ex., se os combatentes tiverem fugido do estabelecimento de saúde);
● Após o ataque, facilitar ou tomar medidas para permitir um rápido restabelecimento dos serviços de assistência à saúde (p. ex., fornecer apoio de serviços médicos militares para o estabelecimento de saúde para pessoas civis).