“Que força é essa que motiva essas mulheres?”, indaga vencedora do Prêmio CICV de Cobertura Humanitária

Recorte de gênero se destacou na edição deste ano, aparecendo em dois dos três trabalhos finalistas. A reportagem “RefugiadAs”, da TV Brasil, ficou em primeiro lugar
O crescimento de mulheres migrantes e refugiadas foi retratado em dois dos três trabalhos finalistas do Prêmio CICV de Cobertura Humanitária Internacional. Aline Beckstein, representante da equipe da TV Brasil, que produziu a reportagem "RefugiadAs", conta que o que mais lhe impactou ao desenvolver essa pauta foi lidar com a força que essas mulheres representam, num ato de coragem de deixar sua terra natal e tentar uma vida nova, "com dignidade, com força e acima de tudo com muita coragem".
A reportagem "Órfãos de Terra-Mãe", do portal Metrópoles, terceira colocada no prêmio, também abordou a questão do migração por esse recorte de gênero, abordando a chegada de mulheres venezuelanas ao Brasil, e sua situação nas fronteiras do país.
Beckstein afirma que levará o exemplo dessas mulheres migrantes para sua vida pessoal, como inspiração de resiliência, principalmente.
Aline Beckstein durante a cerimônia de entrega do Prêmio CICV de Cobertura Humanitária Internacional. Foto: Reinaldo Canato/CICV.
De que forma iniciativas como o Prêmio CICV de Cobertura Humanitária Internacional podem ampliar o alcance de pautas sobre questões humanitárias?
Para nós, um prêmio como esse é um estímulo porque dá oportunidade de colocarmos essas pautas e conseguir mais visibilidade também. Inclusive quando você tenta emplacar outras pautas como essa, das mulheres refugiadas, no momento que você já foi premiada, isso ganha pontos. Então é um reconhecimento muito grande para nossa equipe e para o trabalho que temos feito.
Qual sua percepção sobre o espaço que esse tipo de cobertura ocupa na mídia?
No nosso caso específico, trabalhamos com um recorte que é o das mulheres refugiadas. No início isso foi até questionado por parte da chefia: "Mas por que fazer um programa especificamente sobre as mulheres e não sobre os refugiados de modo geral?"
A gente [a equipe] argumentou que elas têm questões muito específicas, passam por dificuldades em determinados casos bem maiores que os homens, e também por conta do aumento no número de refugiadas no Brasil.
Aproveitamos o mês internacional da mulher e conseguimos pegar esse gancho para emplacar uma pauta que não é uma efeméride, mas que está no dia a dia e que muitas vezes acaba não sendo mostrada, não sendo apresentada de uma forma adequada.
Tirando as efemérides, de modo geral, há espaço para pautas de cobertura humanitária?
Eu acho que essas pautas têm espaço, mas muitas vezes são colocadas de uma forma um pouco superficial. Não por causa dos profissionais, pois temos excelentes jornalistas, mas por causa do tempo que é destinado [a elas]. No jornalismo diário, muitas vezes, você tem matérias de dois ou três minutos e isso já é muita coisa.
Nós temos um programa com 52 minutos e isso dá uma oportunidade, de elaborar mais essa pauta, procurar pessoas, dar espaço para elas e tempo para contar aquela história, e não ser só uma piscada onde contam a história e já acabou a matéria.
Ter esse espaço, como no Caminhos da Reportagem, uma grande reportagem ou documentário jornalístico para elaborar isso com profundidade é uma oportunidade que a gente não vê tão facilmente. Quantos programas têm quase uma hora para debater um assunto? Acho que daí, também, a importância da TV pública, para dar espaço e muitas vezes voz para essas mulheres que não têm ou têm um espaço restrito e muito limitado.
Qual sua motivação para cobrir esse tema?
Foi um tema escolhido pelo grupo. Lá no programa Caminhos da Reportagem, as pessoas que trabalham na produção e na reportagem a maioria são, na maioria, mulheres, então nós temos esse olhar já para o feminino.
E é no dia a dia, ao frequentar restaurantes ,por exemplo, e encontrar refugiadas que lá trabalham, descobrir que uma outra vendia roupas maravilhosas e era estilista em seu país e, conversar, é um senso de humanidade, de entrar um pouco no universo dessas mulheres. Também tentar saber o que elas passam, quais são as dificuldades e mostrar principalmente a força que essas mulheres têm, apesar de tudo o que passaram.
Elas atravessaram um mundo para chegar até aqui e você vê que força uma mulher dessa tem. Um exemplo é uma de nossas entrevistadas que veio prestigiar a cerimônia hoje. Ela veio da Síria sem saber falar português e está aqui batalhando. Entrevistamos uma outra menina palestina que nasceu num campo de refugiados e veio ao Brasil sozinha... sem saber de nada, sem saber que país era esse...
Então, qual é a força? Que força é essa que motiva essas mulheres? A despeito e apesar de tudo o que elas viveram no país de origem, tentarem uma nova vida aqui, com dignidade, com força e acima de tudo com muita coragem.
Quais foram as maiores dificuldades para executar essa pauta?
Acho que uma das maiores dificuldades foi do ponto de vista humano, descobrir essas mulheres, criar uma empatia, conversar com elas para que se sentissem à vontade para contar um pouco da vida delas e os motivos que as fizeram deixar seus países de origem. Respeitando também essa questão de que muitas mulheres não queriam ou não podiam mostrar seus rostos. A gente sempre respeitou isso, deixando com que elas se sentissem à vontade. Até porque muitas delas corriam risco e essa questão no anonimato foi muito importante.
As reportagens costumam ter um efeito diferente sobre a equipe de reportagem. O que mais lhe impactou pessoalmente nessa produção?
Que coragem é essa que faz com que essas mulheres venham até aqui? Que deixem seus países de origem e busquem uma vida melhor? Acho que essa força feminina foi o que mais me chamou a atenção na produção de "RefugiadAs". É um motivo de inspiração também para minha vida pessoal. Quando a gente acha que está difícil, que a situação está complicada, eu sempre penso nessas mulheres e no quanto elas fizeram, o quanto se esforçaram para estar aqui e estão ralando, com filhos, sem filhos, com emprego, sem emprego. Não me sinto nem mesmo em condições de desanimar no meio de tanta força que presencio.