O CICV apoia o serviço de cirurgia no hospital de Bukavu há vários anos. Didier Revol/CICV

República Democrática do Congo: quando cirurgiões de guerra salvam vidas de civis

Aline Manda, 31 anos, mãe de seis filhos, foi atingida por três balas e ferida pelos fragmentos de uma granada quando o ônibus em que viajava foi atacado. Ela recebeu cirurgia de emergência e hoje leva uma vida normal apesar de ter sofrido muitas complicações. A luta entre grupos armados é comum na sua província natal de Kivu do Sul.
Artigo 13 setembro 2021 República Democrática do Congo

Era uma manhã corriqueira. Aline estava indo a Uvira a comprar peixes para revender no mercado de Mulongwe. Mas, naquele dia fatídico, o ônibus em que viajava foi atacado por homens armados. "Eles começaram a atirar em nós", disse Aline. "Fui atingida por três balas: duas na barriga e uma no braço direito". Após saquear o ônibus, os atacantes lançaram uma granada, cuja explosão também feriu Aline.

Esse tipo de incidentes é comum na província de Kivu do Sul, no leste da República Democrática do Congo (RDC). Todos os dias, civis são vítimas do fogo cruzado entre grupos armados e as Forças Armadas.

Sobrevivência

Aline sobreviveu graças à transeuntes que a levaram até o Hospital Geral de Uvira. "Eu mal conseguia respirar quando cheguei. Tinha perdido muito sangue por causa da dureza da viagem", contou. Ela estabilizou-se após duas cirurgias, mas os ferimentos eram tão graves que Aline precisou de atendimento mais especializado.

O hospital solicitou ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) transferir Aline ao Hospital Geral de Bukavu, cuja especialidade é o tratamento de ferimentos de guerra. Graças ao treinamento dos cirurgiões de guerra do CICV, o pessoal local em Bukavu conta com as habilidades necessárias e já não precisa mais da ajuda direta do CICV.

A ambulância do CICV demorou sete horas em chegar a Bukavu. "Por causa de problemas de logística e segurança, muitas vezes temos que nos desviar e cruzar a fronteira com Ruanda," explicou Yalala Sango, um voluntário da Cruz Vermelha da RDC que ajuda a transportar pacientes em Kivu do Sul.

Reaprender a andar

Em Bukavu, Aline passou por mais cirurgias para retirar as balas e os fragmentos da granada que ela ainda tinha no corpo. "Eu fui à cirurgia em uma terça-feira pela manhã e acordei só no meio-dia do domingo," disse ela. "Não podia comer. Quando tentava falar, sentia que me sufocava". Aline recebeu respiração artificial para apoiar seus pulmões enfraquecidos.

Com o tempo, seus ferimentos começaram a sarar. Quando ganhou suficiente força, Aline deu o seguinte passo: fisioterapia para superar a paralisia temporária no lado direito do corpo causada pelos ferimentos de bala. Também recebeu apoio psicossocial.

Após quatro semanas no hospital de Bukavu, Aline foi levada de volta para concluir seu tratamento no Hospital Geral de Uvira. Os médicos recomendaram descansar até a alta, mas ela não tinha escolha: tinha que cuidar dos seis filhos, que ficaram com vizinhos enquanto ela era tratada.

"Eu voltei a fazer trabalhos domésticos, e isso provocou complicações graves. Meus ferimentos até voltaram a sangrar", contou Aline.
Ela teve que voltar ao hospital em Uvira, e novamente foi transferida para Bukavu. Ao todo, ela precisou de quatro cirurgias, dois meses de hospitalização e quatro meses de tratamento ambulatório para recuperar completamente o uso dos braços e das pernas.

A volta para o trabalho

Depois de tanto tempo sem trabalhar, Aline teve dificuldades para recuperar seu negócio. Para alimentar as crianças, explicou, ela teve que pedir dinheiro emprestado para comprar mercadoria para revenda, empréstimo que depois ela teve que reembolsar com juros.

O CICV decidiu que Aline precisava de apoio financeiro no curto prazo. "Recebi suficiente dinheiro para administrar meu negócio e pagar minhas dívidas. Agora posso usar meu próprio capital", disse ela.

O apoio no curto prazo resultou em sucesso no longo prazo: hoje a Aline voltou a seu trabalho de tempo integral como revendedora de peixes no mercado de Mulongwe.

Na província de Kivu do Sul, o CICV fornece serviços gratuitos de cirurgia de guerra.

Apoiamos os estabelecimentos de saúde para que possam receber e estabilizar pacientes feridos por armas de fogo. Também transferimos pacientes para o Hospital Geral de Bukavu, onde supervisionamos o programa de cirurgia de guerra. O CICV atendeu 215 pacientes lá no primeiro semestre de 2021.

Pessoas com ferimentos de guerra são evacuadas com apoio da Sociedade da Cruz Vermelha da República Democrática do Congo.
Pessoas com ferimentos de guerra são evacuadas com apoio da Sociedade da Cruz Vermelha da República Democrática do Congo. Ferdinand Mugisho/CICV
Aline conseguiu voltar a trabalhar e continuar cuidando de seus seis filhos após ser ferida durante um ataque armado.
Aline conseguiu voltar a trabalhar e continuar cuidando de seus seis filhos após ser ferida durante um ataque armado. Albert Nzobe/CICV