Uganda: famílias dos desaparecidos recebem ajuda para encontrar um novo propósito e um sentido para suas vidas

27 agosto 2015
Uganda: famílias dos desaparecidos recebem ajuda para encontrar um novo propósito e um sentido para suas vidas
Uma sessão de grupo de familiares de desaparecidos, liderado por um "acompanhante" do CICV. CC BY-NC-ND / CICV / Monica Mukerjee

Entre 1986 e 2006, cerca de 75 mil pessoas foram sequestradas no norte de Uganda.

A sorte de milhares delas continua desconhecida. O CICV estima que 10 mil ainda podem estar desaparecidas. Seus familiares vivem na incerteza, sem poder estar realmente de luto, esperando que os parentes retornem.

Um programa do CICV ajuda essas famílias a lidar com a sua dor e seguir adiante. Monica Mukerjee, delegada de saúde mental do CICV em Uganda, dá mais detalhes sobre a iniciativa.

Qual o impacto psicológico e psicossocial que as pessoas dessas comunidades sofreram com o desaparecimento dos seus entes queridos?

Embora seus parentes tenham desaparecido anos ou décadas atrás, a dor ainda está muito presente para algumas famílias. Elas sentem que suas vidas estão "suspensas". Não podem tomar decisões importantes. Podem ser incapazes de trabalhar. Sentem-se paralisadas.

Emocionalmente, as famílias falam sobre ter cwer cwiny, uma expressão do idioma acholi (de uma tribo do norte de Uganda) que descreve como seu coração sangra de tristeza por seu ente querido. Alguns têm par, uma doença dos pensamentos, de pensar constantemente no familiar desaparecido. Outros sentem dores físicas inexplicáveis ou têm problemas de sono ligados ao sofrimento psicológico. Podem inclusive se sentir assombrados por espíritos dos seus entes queridos desaparecidos – já que, sem um corpo, não podem realizar os ritos funerários adequados que levariam paz à alma do parente que partiu.

Para lidar com esses problemas, alguns adotam hábitos ou entram em estados mentais que podem ter efeitos negativos sobre sua saúde e sua vida social, como alcoolismo, isolamento, amargura e irritabilidade.

Essas consequências são muitas vezes agravadas por outras dificuldades. Pais mais velhos com filhos desaparecidos enfrentam enormes problemas financeiros porque não têm quem cuide deles e já não podem trabalhar. Disputas familiares sobre terras surgem quando o dono desaparece. As famílias podem inclusive ser estigmatizadas porque a comunidade suspeita que tenham laços ou sejam associadas com grupos armados.

Todos esses problemas pioram a dor sentida pelas famílias dos desaparecidos.

Como o CICV presta apoio emocional?

O programa do CICV no norte de Uganda é um dos primeiros a oferecer apoio psicossocial às famílias com parentes desaparecidos na África. Usamos uma estratégia chamada mundialmente de "acompanhamento" para prestar apoio às famílias dos desaparecidos, "caminhando ao lado delas", ajudando-as a arcar com as suas dores e lutas. Através dessa abordagem, identificamos, treinamos e capacitamos os membros da comunidade local a serem "acompanhantes" que organizam grupos de apoio com as famílias dos desaparecidos. Nesses grupos, os familiares manifestam e discutem os desafios gerados pelo desaparecimento dos seus parentes.

Mike Atube, um oficial de campo no programa Famílias dos Desaparecidos, lidera uma sessão de grupo. CC BY-NC-ND / CICV / Monica Mukerjee

Os acompanhantes também visitam as famílias nas casas delas para prestar o apoio individual necessário e ajudar com os problemas práticos, facilitando o acesso à assistência e serviços adicionais, como centros de saúde, organizações locais e líderes comunitários.

Como o CICV consegue adaptar o seu enfoque ao contexto cultural?

INo norte de Uganda, selecionamos e capacitamos acompanhantes que pertencem às mesmas comunidades das famílias dos desaparecidos. Nossos acompanhantes têm conhecimento da cultura acholi e realizam suas sessões inteiramente em luo, o idioma falado no norte de Uganda.

Eles criam um espaço onde os familiares se reúnem e se apoiam mutuamente, o que pode incluir o compartilhamento de rituais e práticas da cultura acholi.

Por exemplo, muitas famílias se esforçam para buscar uma forma de preservar a memória dos seus entes queridos em sua vida cotidiana. Em alguns grupos, os membros começaram a usar um mwoc dos entes queridos. Mwoc são provérbios específicos para cada pessoa que são repetidos em tempos felizes e difíceis. Ajudam as famílias a recordar os seus parentes, dando-lhes força para lidar com os seus desafios diários.

Qual a importância de integrar o apoio psicossocial com outros elementos da resposta?

Essa integração é essencial. O apoio psicossocial se fortalece quando é embasado por maneiras de enfrentar os problemas práticos.

Além de prestar apoio emocional, os acompanhantes ajudam ativamente as famílias a resolver problemas cotidianos que elas podem ter negligenciado por causa de sua situação de estresse, como disputas legais e problemas médicos não tratados.

Qual a maneira mais importante de ajudar as famílias dos desaparecidos a seguir adiante com as suas vidas?

Dar às famílias um espaço para dividir os seus sentimentos sem ser julgadas é um primeiro passo importante. Permite que os familiares estabeleçam laços com outras pessoas de novo. E, através dessas relações, eles encontram um propósito renovado e um significado para as suas vidas.