O papel dos Estados nos processos contra as violações ao Direito Internacional Humanitário

26-10-2010 Entrevista

À frente da Terceira Reunião de Comitês Nacionais para a Implementação do Direito Internacional humanitário (Genebra, 27-29 de outubro), Cristina Pellandini, que chefia o Serviço de Consultoria em Direito Internacional Humanitário do CICV, explica o papel dos Estados no processo de crimes de guerra.

 
 
   
Presídio de Sremska Mitrovica, Sérvia. 
           
     
 
   
Cristina Pellandini 

         

 O processo e a punição de violações do Direito Internacional Humanitário são os principais tópicos da próxima Reunião Universal dos Comitês Nacionais para a Implementação do Direito Internacional Humanitário. Quais são os objetivos da reunião?  

A reunião tem dois objetivos principais. O primeiro é reunir todos os comitês nacionais para promover a discussão e compartilhar experiências e melhores práticas. O segundo é fortalecer o papel dos comitês nacionais na implementação do Direito Internacional Humanitário na legislação nacional, especificamente, no que se refere à punição dos criminosos. Incentivaremos a discussão de uma abordagem que permita que os Estados punam com eficácia todos os crimes de guerra e para encontrar um apoio complementar por pa rte dos tribunais internacionais, sobretudo o Tribunal Penal Internacional.

Também incentivamos os Estados, quando promulgando a legislação penal para crimes de guerra, a levarem em consideração todas as suas obrigações que exigem que assegurem o respeito ao Direito Internacional Humanitário. Com cerca de 230 participantes de mais de cem países, estamos convencidos de que a reunião contribuirá para um maior cumprimento desse conjunto de leis e aprimorará os mecanismos para processar os criminosos no mundo todo.

 

 O que é uma violação ao Direito Internacional Humanitário?  

Primeiro, deve-se explicar que o Direito Internacional Humanitário, também conhecido como direito do conflito armado, é o conjunto de leis que estabelecem regras detalhadas que visam proteger as vítimas dos conflitos armados e restringir os meios e métodos de guerra. Algumas dessas violações, chamadas " violações graves " , estão relacionadas nas Convenções de Genebra de 1949 e no Protocolo Adicional de 1977. Matar intencionalmente ou torturar uma pessoa protegida pelo Direito Internacional Humanitário ou tornar a população civil alvo de ataques são exemplos desses tipos de violação ao Direito Internacional Humanitário. Outras violações graves, como o serviço militar obrigatório para crianças com idade inferior a 18 anos e o uso de determinadas armas, podem ser encontradas em outros instrumentos internacionais e no Direito Consuetudinário. Todas essas violações são tão graves que acarretam responsabilidade criminal individual para quem as comete ou ordena que outros o façam, e são, portanto, chamados " crimes de guerra " .

 

 Quem está encarregado de processar os responsáveis pelas violações ao Direito Internacional Humanitário?    

A responsabilidade de processar quem cometeu graves violações ao Direito Internacional Humanitário recai primeiramente sobre os Estados.

Isso está particularmente claro no caso das " violações graves " , nas quais a exigência vai ao ponto de obrigar os Estados a buscarem e punirem todas as pessoas que cometeram ou ordenaram que cometessem uma violação grave, independentemente da nacionalidade do criminoso ou de onde o crime foi cometido. 

Mais recentemente, a responsabilidade dos Estados foi complementada pelo estabelecimento de tribunais penais internacionais e " mistas " (o da antiga Iugoslávia) (O tribunal " misto " , como os de Camboja e de Serra Leoa, são metade internacionais, metade nacionais). O Estatuto de Roma - tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, um tribunal permanente para processar indivíduos por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra - foi adotado na conferência diplomática de 1998.

Esses esforços representam um grande passo no sentido de evitar e punir violações graves ao Direito Internacional Humanitário e, desta forma, aumentar o respeito por este conjunto de leis.

 

 Qual é o papel dos Estados na aplicação do Direito?  

Como primeiro passo para cumprir a obrigação de processar e punir as violações graves, é necessário promulgar uma legislação nacional que puna a conduta proibida segundo o Direito Internacional Humanitário. O ideal é que tal legislação cubra todas as graves violações deste Direito, independentemente da natureza do conflito armado no qual foram cometidas. Condutas consideradas desumanas em conflitos internacionais e não internacionais não podem ser nada mais do que desumanas em todas as situações de conflito armado, incluindo as que aco ntecem dentro do território de um Estado.

Qualquer processo que envolva infrações penais na legislação nacional dever ser de jurisdição nacional.

Promover a promulgação de tais leis exige cooperação entre muitas entidades diferentes, tanto dentro do governo, como da sociedade civil. Os Comitês Nacionais para a implementação do Direito Internacional Humanitário, por serem grupos de trabalho, interministeriais ou interinstitucionais, reúnem várias agências nacionais com responsabilidades no campo do Direito Internacional Humanitário, provaram ser um mecanismo muito útil. Seu propósito principal é aconselhar e assistir o governo na implementação e difusão do conhecimento do Direito Internacional Humanitário.