A privatização da guerra

23-05-2006

A sub-contratação de tarefas militares.

  Um breve histórico  

O recente aumento da subcontratação de tarefas militares colocou as empresas particulares militares e de segurança (EPM/EPS) em contato direto com pessoas sob a proteção do Direito Internacional Humanitário, tais como civis e pessoas privadas de liberdade.

Nos últimos quinze anos, mais e mais funções que costumavam ser efetuadas pelo aparato militar e de segurança dos Estados foram repassadas para as EPM/EPS. Entre outras, essas atividades incluem o apoio logístico para o envio de soldados e as operações militares, a manutenção dos sistemas de armamentos, a proteção das instalações, uma proteção das pessoas efetuada de perto, o treinamento dos militares e das forças policiais no país e no exterior, a reunião e a análise de informações da inteligência, a custódia e o interrogatório dos prisioneiros e, às vezes, a participação nos combates. Este desdobramento da situação também suscita questões relativas à proteção das equipes que trabalham para as EPM/EPS sob o DIH.

Os últimos anos testemunharam um aumento sem precedentes na demanda por serviços particulares militares e de segurança, que foi atendida tanto por companhias estruturadas com um histórico de prestação de serviços militares e de segurança, como por um rol de novas empresas.

Não apenas os Estados, mas também as empresas comerciais, as organizações internacionais e regionais, além das organizações não governamentais estão recorrendo aos serviços de segurança privatizados, em particular quando estão operando em situações de conflito armado.

Em geral, os especialistas da área de segurança concordam que as EPM/EPS vão continuar a fazer parte deste setor no futuro previsível.

  Alguns dos temas em jogo a partir da perspectiva do CICV  

  A implementação do Direito Internacional Humanitário (DIH)  

Embora se afirme com freqüência que existe um vácuo na lei quando as EPM/EPS são abordadas, nas situações de conflito armado o DIH regulamenta tanto as atividades das equipes das EPM/EPS como as responsabilidades dos Estados que as empregam. Deve-se admitir que para certos assuntos não há respostas simples. Por exemplo, o status perante o DIH das equipes das EPM/EPS – elas são combatentes ou civis?

As pessoas que trabalham para as EPM/EPS são consideradas civis – a não ser que elas façam parte das forças armadas de um Estado. Como tal, não podem ser alvo. No entanto, se conduzirem atividades que equivalem a participar diretamente das hostilidades, perdem a proteção de serem atacadas. Em qualquer situação, devem respeitar o DIH. O status das empresas em si não é regulamentado pelo DIH.

  Diferença entre civis e combatentes  

Este hábito crescente de recorrer a novos atores que, em algumas circunstâncias, aos observadores e àqueles que operam no terreno não parecem ser com clareza nem civis e nem combatentes, traz o risco de corroer a diferença – fundamental no DIH e nas operações militares – entre essas duas categorias de pessoas.

  O dever de respeitar e garantir o respeito ao DIH  

A principal preocupação do CICV é que esses novos atores nas situações de conflitos armados respeitem o DIH. No mí nimo, os seguintes tópicos são necessários para se alcançar isto:

  • As equipes das EPM/EPS devem estar cientes da estrutura jurídica em que elas operam, incluindo o DIH;

  • Suas operações devem obedecer ao DIH, ou seja, suas normas de combate e modelos de procedimentos de operação devem estar de acordo com o DIH;

  • Devem existir mecanismos eficientes para que as EPM/EPS e suas equipes prestem contas caso ocorram violações;

  • As medidas para atingir esses parâmetros devem ser tomadas pelas próprias EPM/EPS e pelos Estados que as empregam, pelos Estados em cujo território elas estão incorporadas e os Estados em que elas operam. Pode-se responder às últimas duas situações por meio da adoção de uma estrutura de normas e regulamentos. Até agora, apenas alguns Estados adotaram uma legislação estabelecendo os procedimentos que as EPM/EPS baseadas em seus territórios devem seguir a fim de serem autorizadas a operar no exterior. Poucos Estados também regulamentam as EPM/EPS que operam em seu próprio território.

  Responsabilidade de comando  

As forças armadas dos Estados têm uma série ampla de medidas corretivas não judiciais e administrativas – como também a própria lei militar – que ajudam os oficiais a manter a disciplina, o respeito ao DIH e o comando, e o controle efetivo dos soldados sob seu comando.

Como são previstos esses instrumentos de comando, este sistema também antevê a possível responsabilidade criminal de um oficial de comando se ele/ela não consegue evitar ou reprimir as violações do DIH cometidas por seus soldados, das quais ele/ela sabia ou deveria ter tido conhecimento.

Este conceito de comando responsável é um instrumento poderoso para evitar as violações do DIH pelos soldados durante as operações militares. Não está claro até que ponto um sistema semelhante possa existir para lidar com as EPM/EPS.

  A política do CICV com relação às EPM/EPS  

Quando um Estado emprega forças militares e de segurança de fora, continua responsável perante o DIH. O CICV iniciou um diálogo sobre as EPM/EPS com alguns Estados, em particular com aqueles que as empregam, aqueles em que elas operam e aqueles em que elas estão incorporadas. Os primeiros passos neste diálogo têm sido encorajadores. Os objetivos são garantir que os Estados exercitem suas responsabilidades com relação às operações das EPM/EPS e incentivá-los a tomar as medidas adequadas para assegurar o respeito ao Direito Internacional Humanitário.

Paralelamente, o CICV iniciou um diálogo com representantes da indústria das EPM/EPS. O objetivo é proteger e assistir melhor as pessoas atingidas pelos conflitos armados e promover o DIH. Mais especificamente, o CICV procura garantir que as EPM/EPS e suas equipes respeitem o DIH e que conheçam, e compreendam o mandato, as atividades e o modus operandi do CICV.