Armas – Declaração do CICV às Nações Unidas, 2011

11-10-2011 Declaração oficial

Debate Geral sobre todos os itens da agenda de desarmamento e segurança internacional. Nações Unidas, Assembleia Geral, 66ª sessão, Primeiro Comitê, itens 87 & 106 da agenda, declaração do CICV, Nova York, 11 de outubro de 2011.

Desde o final da década de 90, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), cuja missão é proteger e assistir as vítimas do conflito armado e de outras situações de violência, destaca o alto custo da disponibilidade de armas regulamentada com deficiência. Apoiamos firmemente a adoção de um Tratado de Comércio de Armas (TCA) abrangente e eficaz no próximo ano. Uma grande parte das mortes, dos ferimentos e da pura crueldade infligida sobre os civis todos os anos ocorre porque o acesso às armas é simplesmente fácil, incluindo para aqueles que as usarão para violar o Direito Internacional Humanitário (DIH). Um Tratado de Comércio de Armas eficaz não só protegeria as vidas das pessoas e seus meios de sobrevivência como também reduziria a desestruturação socioeconômica que acompanha a insegurança armada em muitas partes do mundo e teria importantes benefícios para a saúde de populações inteiras.

O TCA em agosto de 2011 lançou uma iniciativa que durará quarto anos cujo tema é "Assistência à Saúde em Perigo”. Esta iniciativa se baseia diretamente na experiência do CICV no terreno e em um estudo realizado em 16 países sobre ataques à assistência à saúde em contextos nos quais trabalhamos. O levantamento registra 655 em dois anos e meio envolvendo ataques a profissionais de saúde, estabelecimentos médicos e transportes médicos. Nesses incidentes, 1.834 pessoas foram mortas ou feridas enquanto recebiam ou prestavam assistência à saúde. O efeito desses ataques e da violência armada em outros contextos cobertos pelo estudo foi a negação de assistência à saúde para milhares de pessoas em lugares onde a saúde humana e os sistemas de assistência à saúde já são precários. As implicações mais amplas da “insegurança armada” sobre a saúde das populações civis, destacadas pelo estudo, incluem a negação de 150 mil consultas médicas por ano em um dos países mais pobres do mundo, a negação de vacinas contra pólio a centenas de milhares de crianças em outro contexto e dezenas de milhares de mortes todos os meses em um terceiro contexto. Esses impactos relacionados com a saúde são apenas uma pequena janela para o custo humano hediondo do fácil acesso às armas para o qual um futuro Tratado de Comércio de Armas deve ajudar a prevenir.

Instamos a todos os Estados aqui hoje que se comprometam a trabalhar intensamente no próximo ano para ajudar a assegurar que a próxima Conferência Diplomática sobre o Tratado de Comércio de Armas, em julho, seja um sucesso. Em nosso ponto de vista, um Tratado abrangente e eficaz exigirá um exame cuidadoso e detalhado de todas as transferências de armas convencionais e de munição de modo a impedir que as armas caiam facilmente nas mãos de pessoas que possivelmente as usarão para cometer violações graves ao Direito Internacional Humanitário. Enaltecemos os elementos estabelecidos no Rascunho do Presidente. Ele oferece uma base sólida para seguir adiante com o tipo de tratado tão necessário para os indivíduos, as famílias e as comunidades em vastas áreas no mundo onde as armas às vezes são obtidas com mais facilidade do que alimentos, assistência à saúde ou remédios.

Desde a última conferência de revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares no ano passado houve poucos avanços relatados no cumprimento dos muitos compromissos urgentes estabelecidos na Conferência de Revisão para a redução do papel das armas nucleares, que reduziriam o número das mesmas e impediriam seu uso. É de suma importância que os compromissos assumidos na Conferência de Revisão sejam cumpridos como um imperativo humanitário, moral e político. Também é importante partir do reconhecimento no Documento Final das “consequências humanitárias catastróficas do uso de armas nucleares” e da relevância do Direito Internacional Humanitário com relação a isso. Muito mais deve ser feito para informar os políticos, a mídia e o público sobre o custo humano catastrófico dessas armas, da importância imperativa de que elas não sejam mais usadas e da necessidade urgente de um instrumento legalmente vinculativo internacional que proibirá seu uso e levará a sua eliminação. O CICV, por sua parte, trabalhou durante todo o ano passado para aumentar a compreensão dessas realidades dentro do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho no mundo todo. Apoiaremos o aumento de trabalho que as Sociedades Nacionais terão nessa questão no futuro.

Um dos mais importantes avanços no Direito Internacional Humanitário nos últimos anos foi a adoção, em 2008, e a entrada em vigor, em 2010, da Convenção sobre Munições Cluster. Após décadas durante as quais essas armas infestaram comunidade e países, nos quais ainda eram usadas, com sua imperícia e instabilidade, a comunidade internacional percebeu que o custo humano de tais armas é simplesmente inaceitável. A recente Reunião de Estados-Partes dessa Convenção, em Beirute, foi uma demonstração impressionante da eficácia da Convenção no incentivo ao avanço na descontaminação e na destruição de estoques, atraindo novos Estados e mobilizando recursos para assistir as vítimas dessas armas e suas comunidades.

O CICV está satisfeito que inúmeros Estados que ainda não se havia aderido à Convenção sobre Munições Cluster agora reconhece os impactos humanitários dessas armas e estão prontos para tomar medidas para reduzir esses impactos. Esses Estados devem tomar quaisquer medidas que considerem factíveis em nível nacional. No entanto, no âmbito do Direito Internacional Humanitário, consideraríamos lamentável se fossem adotadas novas normas contraditórias, em vez de complementares, à Convenção sobre Munições Cluster e permitiriam o desenvolvimento e o uso de tipos específicos de munições cluster que provavelmente perpetuarão o problema humanitário. Seria a primeira vez que os Estados teriam de adotar proteções mais fracas para os civis em um tratado do Direito Internacional Humanitário do que as contidas em um tratado já em vigor. Instamos a todos os Estados-Partes da Convenção sobre Certas Armas Convencionais, e especialmente aqueles signatários da Convenção sobre Munições Cluster, que considerem cuidadosamente suas responsabilidades nesse âmbito enquanto se preparam para a Conferência de Revisão da Convenção sobre Certas Armas Convencionais em novembro.

Em janeiro de 2011, a Assembleia Geral da ONU em resolução 65/41 endossou o relatório do Grupo de Especialistas do Governo no Âmbito de Informações e Telecomunicações no Contexto da Segurança Internacional. Entre as observações do Grupo, estava que ‘há um aumento de relatos de Estados que estão desenvolvendo tecnologias de informação e comunicação como instrumentos de guerra e inteligência’. Com relação a isso, o CICV chama a atenção dos Estados para as possíveis consequência humanitária da ciberguerra, que significa recorrer a ataques de redes de computador durante situações de conflito armado. Tais conseqüências podem incluir cenários desastrosos como interferência nos sistemas de controle de tráfico aéreo causando colisão ou queda de aeronaves, desestruturação no fornecimento de eletricidade ou de água para a população civil, ou estragos em usinas químicas ou nucleares. O CICV, portanto, lembra todas as partes em conflito que respeitem as regras do Direito Internacional Humanitário se recorrerem a esses meios e métodos de ciberguerra, incluindo os princípios de distinção, proporcionalidade e precaução.