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Futuro incerto preocupa deslocados

17-08-2008 Reportagem

Desde o início do conflito na Ossétia do Sul, em 8 de agosto, dezenas de milhares de pessoas fugiram de cidades e povoados na Geórgia. Muitos foram para a capital, Tbilisi, onde encontraram abrigo em escolas e centros comunitários adaptados, jardins de infância e edifícios abandonados. Agora, aguardam a assistência de outras pessoas, uma situação que nunca poderiam imaginar 15 dias atrás.

     
    ©ICRC/J. Barry      
   
    Amigos e vizinhos se juntam para compartilhar histórias de fuga e perda.      
               
    ©ICRC/J. Barry      
   
Lali e seu marido Paata esperam por suprimentos antes de mudar para seus quartos      
               
    ©ICRC/J. Björgvinsson      
   
Tsiuri com seu filho Shmagi em seus quartos no Centro Coletivo.      
           

As expressões nos rostos dos deslocados dizem tudo. Sentados sob um cálido raio de sol nas escadas do “Plant Protection Institute”, cujas salas estão servindo de abrigo para os que ficaram sem casa, vizinhos e amigos compartilham histórias de horror sobre fugas e perdas. Seus relatos são igualmente preocupantes e falam dos dias de abrigo em porões, sem ter muito o que comer ou beber, da fuga para a floresta e de uma longa caminhada até Tblisi.

“Houve uma explosão no meu jardim, a cinco metros de nós”, disse Tsiuri, uma viúva, explicando a situação de perigo que a fez fugir com seus filhos pequenos. “Vi dois canos pretos saindo da grama. Eram bombas. Se tivessem caído em meu pátio, não teríamos sobrevivido”.

Misha, de 73 anos, também se dispõe a falar enquanto descansa, depois de descarregar cobertores, sabão e outros suprimentos distribuídos pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). “Fiquei alguns dias na floresta até me sentir seguro o suficiente para seguir meu caminho até aqui. Mas sou forte”, disse ele com orgulho, dando força a si mesmo. “Nunca fiquei doente em toda a minha vida”. Foi um momento de amor-próprio em meio a tanto desespero.

“Como podemos ficar aqui?”, questiona Lali, de 38 anos, diretora de um jardim de infância que fugiu com seu marido de um povoado próximo a Gori. O quarto onde ela está é limpo, mas praticamente vazio, mobiliado apenas com cadeiras e uma mesa. “Eu e meu marido estamos sendo abrigados por amigos até que possamos conseguir suprimentos e um lugar onde dormir”. Ela parece estar com raiva, frustrada e cansada. Um pouco mais calma, diz: “Os amigos que nos receberam também foram desl ocados em virtude dos confrontos no início dos anos 90 e nunca voltaram para casa. Eles mostraram respeito e compaixão por nós. Inclusive nos deram sua cama e estão dormindo no chão”.

A nova deslocada repete constantemente a mesma frase. Ao voltar de um ponto de distribuição de comida, com os braços cheios de pão, Lali fala em nome de todos. “Nos sentimos muito humilhados por estar aqui”, ela murmura. “Tínhamos uma vida boa. Nunca imaginamos que seríamos reduzidos a isso”.

Um dos fatos mais tristes sobre os centros onde os deslocados estão vivendo é que antes eles já serviram de abrigo a pessoas que ficaram sem casa. Durante os conflitos na Ossétia do Sul e em outra região independentista, Abkhazia, nos anos 90, milhares de pessoas fugiram de suas casas e encontraram abrigo em escolas, hotéis e edifícios vazios ou abandonados em Tblisi, os mesmos que hoje estão abrigando os recém-chegados. Muitos dos antigos ocupantes ainda estão lá.

Um desses centros está no resort chamado ironicamente de “Turbaza Vake”, ou Base do Turista. Situado entre pinheiros em uma elegante área de Tblisi, ele foi um paraíso para quem saía em férias no passado. Longe de desfrutar daquele lazer, seus atuais convidados estão vivendo à beira do abismo.

Duas mulheres estão ao fundo de um corredor escuro, sombrio e úmido do Turbaza Vake. “Faz 18 dias que estamos aqui”, afirma uma delas, uma senhora com tristes olhos azuis e um vestido rosa. Ela encolhe os ombros e desvia o olhar. A seu lado, encontra-se uma linda menina de quatro anos, para quem esse hotel deprimente tem sido sua casa desde o nascimento.

O CICV tem distribuído gêneros domésticos diariamente para os centros, e uma assistência adicional tem chegado com doações privadas e de agências locais. Voluntários da Cruz Vermelha da Geórgia estão entre as centenas de jovens que dedicam seu tempo e energia a fim de ajudar a organizar as dist ribuições. Engenheiros de água do CICV ajudam a restabelecer o suprimento de água e a instalar banheiros emergenciais.

Mas os deslocados não são as únicas pessoas em necessidade. Também preocupa o fato de que, em todas as cidades de onde as pessoas fugiram, há outras que não puderam sair em virtude de doença, incapacidade ou simplesmente idade avançada. Como as agências humanitárias têm acesso bloqueado às áreas rurais devido à falta de segurança, sua situação está se tornando cada vez mais precária.

Equipes de rastreamento do CICV nos centros comunitários reúnem informação de famílias que estão separadas de seus entes queridos. As listas aumentam diariamente à medida que mais pessoas fornecem detalhes sobre parentes que ficaram para trás e cujo contato foi perdido. Lali, a diretora do jardim de infância, busca informações de seu cunhado. “Não soubemos nada dele”, diz ela. “Temo que tenha sido morto”.

Todos se perguntam quanto tempo passará até que suas vidas voltem ao normal. Misha está melancólico. “Como posso saber?”, afirma. “As pessoas de Abkhazia também se perguntaram sobre isso, e permanecem aqui há 18 anos. Ninguém sabe quando isso vai terminar " .