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Terremoto no Haiti: dormir sem conforto no Primature

09-02-2010 Reportagem

Desde 12 de janeiro, dezenas de milhares de pessoas vivem em condições precárias nas ruas de Porto Príncipe, capital do Haiti. Durante a distribuição de alimentos, Jessica Barry conversou com famílias que vivem no jardim do gabinete do Primeiro-ministro, o Primature.

     

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    Pessoas aguardam o começo da distribuição. Marie Rose (mais afastada à esquerda, de azul)      
         

Marie Rose, 36 anos, mãe de duas crianças, carregava as bolsas pesadas de arroz e feijão pelos caminhos que serpenteavam o campo. Ia para um abrigo de lona inclinado que se protegia um pouco do calor infernal sob os galhos de uma árvore. Sua vizinha, Jeanne Stirat, 66 anos, a seguia, carregando no ombro uma caixa de pasta de tomate, várias bolsas de sal e cinco litros de óleo de cozinha.

Os alimentos que Marie Rose e Jeanne estavam carregando vieram do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e eram parte de uma distribuição de alimentos que aco ntecia no campo naquele dia. O arroz e o feijão – artigos básicos da dieta haitiana – ajudariam a manter as duas mulheres e suas famílias grandes pelas próximas semanas, embora fosse apenas algo simbólico se comparado com a escala de suas necessidades.

O jardim do gabinete do Primeiro-ministro haitiano, onde está situado o campo, um dia deve ter sido um lugar tranquilo, mas agora é um mar de lonas cinzas fervilhando. Quase quatro mil pessoas vivem aí desde o terremoto que sacudiu a capital haitiana com força letal na tarde de 12 de janeiro.

Naquele momento, a mãe de Marie Rose estava sentada na varanda de sua casa na Avenue Bourdon. " Ela escapou por milagre " , conta Marie Rose. " As escadas onde ela estava sentada desabaram e quando caiu, ela foi socorrida pelas pessoas que passavam na rua " .

     

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    Jeanne Stirat se prepara para voltar a sua barraca com alguns dos mantimentos que recebeu durante a distribuição.      
         

" Ela teve apenas hematomas e dor nos joelhos " , continuou Marie Rose, apontando para onde sua mãe estava deitada dentro do abrigo, envolta em pensamentos.

A sobrinha mais jovem de Marie Rose também teve sorte esse dia. Depois de se separar de seus pais durante o caos que seguiu ao choque, ela foi encontrada caminhando pelas ruas e foi levada de volta para sua família em questão de horas.

Enquanto, antes do terremoto, a maioria das famílias gozava de certa privacidade em suas vidas, o mesmo não acontece agora. Agora, em Porto Príncipe, a vida se vive nas ruas ou nos jardins de edifícios oficiais ou em parques públicos.

No Primature, mais de uma dúzia de parentes e antigos vizinhos vivem exprimidos sob o abrigo de lona de Marie Rose, além de seus próprios parentes diretos. " Alguns de nossos parentes foram para o interior do país, no começo " , disse. " Mas outros, como eu, tiveram que ficar e cuidar de nossa propriedade. O problema é que não temos onde armazenar as coisas que resgatamos dos escombros " .

Com o passar do dia, uma das coisas mais comoventes que surgem dessa tragédia estarrecedora é a extraordinária resistência e a dignidade das pessoas enquanto lutam para reorganizar suas vidas; isso e a generosidade com relação aos estrangeiros que chegam a seu meio para ajudar.

Muitos haitianos são devotamente religiosos e sua fé, sem dúvida, também representou um papel. Quando perguntada sobre o que pensa que o futuro reserve para ela e sua família depois de tamanha perda, Marie Rose responde, " Só Deus sabe. Ele nos salvou até agora. Ele nos ajudará de novo " .