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A história de Dzidza: anos de tormento, esperando descobrir o destino de toda sua família

29-02-2008 Reportagem

Mais de 12 anos depois que a guerra na Bósnia terminou, aproximadamente 16.000 pessoas* continuam desaparecidas, deixando seus familiares em um estado de angústia permanente. O jornalista Nick Danziger descreve a dor de Dzidza, cuja família desapareceu em 1995 nos massacres de Srebrenica.

     
© ICRC / Nick Danziger      
   
     Dzidza voltou a casa após muitos anos como pessoa deslocada. Inicialmente, ela teve que afugentar uma família que estava ocupando sua casa.      
               

© ICRC / Nick Danziger      
   
    Os arquivos do CIPD com informação de DNA dos restos mortais das pessoas desaparecidas para que sejam comparadas com os familiares sobreviventes que deram uma amostra de sangue.      
               

© ICRC / Nick Danziger      
   
    O “Livro dos Pertences” contém itens pessoais (roupas e pertences) das pessoas executadas e que foram retirados e fotografados na esperança de que os familiares possam identificar um parente desaparecido.      
                 
© ICRC / Nick Danziger / v-p-ba-e-00073      
   
    Potocari, perto de Srebrenica. Dzidza visita regularmente o memorial para mais de 8.000 pessoas mortas em Srebrenica.      
           

Por 12 anos, Dzidza viveu com esperanças de encontrar vivos seus dois filhos e marido, até que eles finalmente foram dados como mortos nos assassinatos em Srebrenica, o pior massacre da Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Até recentemente, Dzidza usava o presente, “Eu tenho dois filhos”. O mais velho estava no secundário, o mais novo estava por terminar o primário. Até que a guerra começou e eles não puderam terminar seus estudos.

  Livro de pertences  

Antes que o teste de DNA estivesse disponível para a identificação de restos mortais das pessoas enterradas em sepulturas comunitárias, havia somente o “Livro de Pertences”, dois álbuns de fotos publicados pelo CICV mostrando os itens encontrados junto com o corpo do morto.

Em 2001, Dzidza folheou todas as páginas destes dois grandes álbuns. “Eu olhei fotografia por fotografia e pedia a Deus para que não reconhecesse nenhum, mesmo que eu quisesse saber pelo menos alguma coisa – para terminar com esta incerteza”, diz ela.

 
"A maior alegria é ter um filho, a maior tragédia é que o levem de você.”
 
 

Algumas famílias conseguiram identificar seus parentes usando o livro do CICV, mas milhares de corpos exumados das sepulturas comunitárias permaneceram sem identificação e milhares mais continuam enterrados em sepulturas comunitárias ou individu ais.

  A tecnologia do DNA traz novas esperanças - e descrença  

     

Quando o DNA se tornou o método de comparar uma amostra de sangue de um parente vivo com uma retirada do osso recuperado, alguns como a Dzidza permaneceram descrentes ou não quiseram confrontar a realidade dizendo: “Eu não quis dar meu sangue. Não queria acreditar que estavam mortos”.

No início de 2005, quase 10 anos depois do massacre, ela deu uma amostra do seu sangue para a CIPD (Comissão Internacional de Pessoas Desaparecidas), porque um vizinho a convenceu. A sogra e a cunhada dela também fizeram o mesmo, esperando que o marido de Dzidza pudesse ser identificado.

No dia 13 de novembro de 2007, Dzidza recebeu um telefonema de Emir, a pessoa a cargo do seu caso. “Eu falei para ele deixar de dar voltas, falei que fosse direto ao ponto. Você identificou meus filhos e meu marido? Foi o momento mais difícil da minha vida”, lembra ela.

 
""Embora os restos mortais do meu filho estejam completos, como eu poderei enterrá-lo sem saber qual dos dois é este?!”"
 
 

     

     

“Ele me disse que haviam identificado um dos meus filhos, mas eles não poderiam dizer qual dos dois era, porque tinham idades muito próximas (Almir nasceu em 1977 e Azmir em 1974). Ele também me disse que haviam identificado meu marido, Abdullah, através de um único osso, a única parte do corpo qu e pôde ser recuperada da sepultura comunitária.”

“Quando esta possibilidade abriu-se, tudo ficou preto; pensei que havia perdido a razão por um momento”, diz Dzidza.

O sono de Dzidza é sempre perturbado e ela não gosta de comer. Durante o dia, para passar o tempo, ela borda e à noite ela lê o Corão, principalmente o Shura Yassin, que fala sobre a morte e que ela agora sabe de cor.

Ela resume o seu pesar: “A maior alegria é ter um filho, a maior tragédia é que o levem de você”. Ela diz que mais membros da família foram mortos.

  Memorial para mais de 8.000 pessoas mortas em Srebrenica  

Dzidza visita Potocari regularmente, perto de Srebrenica, onde um memorial foi construído para mais de 8.000 pessoas mortas e onde um de seus filhos está enterrado. “Este memorial é importante não só para mim, mas também para todas as outras mães”, ela insiste. “Embora os restos mortais do meu filho estejam completos, como eu poderei enterrá-lo sem saber qual dos dois é este?!”

" Não há muito para enterrar do meu marido. É um crime atrás do outro: primeiro em ter um filho assassinado, depois não conseguir nem a sua ossada. Quantas outras sepulturas comunitárias deverão ser abertas para encontrar o resto dos ossos?”

  Assassinatos cometidos por ‘amigos’  

Igualmente difícil para Dzidza é o fato de que os assassinatos foram cometidos por pessoas que eles conheciam: “Isto foi feito por amigos do meu marido! Em tempos de paz tínhamos muitos amigos sérvios; eles nunca nos avisaram para sair e não poderíamos imaginar que isto aconteceria”.

Hoje, Dzidza vive além do pesar e já chorou todas as lágrimas humanamente possíveis. Ela vive nas lembranças e as vozes dos entes queridos soam na cabeça, e sonha somente em levar paz às almas de Abdullah, Almir e Azmir.

Veja também  TV News Footage .

* de acordo com a Comissão Internacional de Pessoas Desaparecidas, CIPD