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CICV e TPI: Duas abordagens separadas, mas complementares para garantir o respeito ao Direito Internacional Humanitário

10-10-2008 Entrevista

Na qualidade de guardião do Direito Internacional Humanitário (DIH), o CICV apóia os esforços para acabar com a impunidade em relação aos crimes internacionais e se interessa pelo estabelecimento e jurisprudência dos tribunais criminais internacionais. No entanto, os funcionários do CICV não prestam testemunho perante esses tribunais.

     

 
   
Anne-Marie La Rosa, assessora jurídica del CICV 
         

Anne-Marie La Rosa, consultora jurídica e ponto focal do CICV sobre temas ligados à Justiça Penal Internacional, discute a relação entre o CICV e o Tribunal Penal Internacional (TPI) e os papéis separados, mas complementares, que as duas organizações desempenham para garantir o respeito pelo DIH.

  1. O CICV apoiou o estabelecimento do TPI?  

O CICV sempre apoiou a fundação de um tribunal internacional com jurisdição sobre os crimes internacionais mais sér ios. Para o CICV, um tribunal internacional tem a capacidade de agir como um catalisador e de ser um incentivo para os tribunais domésticos, para que eles cumpram com o compromisso de processar as pessoas que cometem crimes de guerra. Portanto, o CICV saudou o estabelecimento do TPI em julho de 1998. O TPI opera com base no " princípio de complementaridade " , o que significa que vai atuar apenas se os tribunais domésticos não querem fazê-lo ou não têm capacidade para tal. O CICV foi muito ativo no trabalho preparatório que levou ao Estatuto de Roma (Estatuto do TPI) e participou do esboço dos Elementos dos Crimes que os Estados Partes adotaram em setembro de 2000. Esses Elementos dos Crimes detalham as definições de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra que o Estatuto do TPI contém.

O Estatuto do TPI foi claramente um grande avanço na implementação do DIH e deve ajudar a garantir o cumprimento deste corpo jurídico. O CICV participa da conferência anual dos Estados Partes e está acompanhando de perto as discussões sobre a conferência de 2010, que vai revisar o Estatuto.

  2. Qual é a relação entre o TPI, seu Estatuto e o CICV?  

Além de ter apoiado o estabelecimento do Tribunal, o CICV promove a ratificação e implementação do Estatuto do TPI por meio de seu Serviço de Consultoria. Em termos práticos, o CICV usa o Estatuto do TPI quando ajuda os Estados em seus esforços para adotar e implementar medidas domésticas eficientes para o julgamento de crimes de guerra. Um elemento muito positivo do Estatuto do CICV é que inclui uma lista de crimes de guerra bastante abrangente, incluindo tanto os conflitos armados internacionais como não internacionais. É a primeira vez que esta lista faz parte de um instrumento internacional.

Também vale a pena mencionar que desde abril de 2006 o CICV tem autorização para visitar todas as pessoas detidas de acordo com a jurisdição do TPI. Já fizemos várias visitas a Haia, cumprindo esta tarefa.

  3. Mas o que dizer do envolvimento do CICV nos casos do TPI?  

     

O CICV tem uma prática transparente e bem estabelecida de não se envolver com procedimentos judiciais e de não revelar o que descobre ao longo do seu trabalho. Esta prática está baseada na longa experiência no terreno e no total respeito que a organização tem pela confidencialidade. O CICV não hesita em lembrar os envolvidos em conflitos armados – sejam eles governos ou grupos armados não estatais – sobre suas obrigações perante o DIH. Mas na qualidade de organização neutra e independente, acreditamos fortemente que só podemos ser capazes de fazer isso garantindo um diálogo contínuo e confidencial com todas as partes no conflito.

A confidencialidade não significa silêncio ou aquiescência. Significa que apenas compartilhamos nossas informações e o que descobrimos sobre as supostas violações do DIH junto à parte responsável. A informação que recolhemos não é e não será compartilhada com mais ninguém, incluindo o TPI.

  4. Por que o CICV não participa das atividades do TPI?  

     

O trabalho do TPI e do CICV constitui uma abordagem alternativa de evitar as violações do DIH, são abordagens que vemos como complementares. Enquanto os objetivos finais são semelhantes, os instrumentos são bastante diferentes. O TPI julga e pune; enquanto o CICV promove o respeito pelo DIH por meio do diálogo confidencial e da persuasão.

O CICV protege e assiste as pessoas que não (ou não mais) participam diretamente de um conflito armado ou de outras situações de violência. Só teremos acesso às pessoas necessitadas se todas as partes no conflito aceitarem o CICV. A abordagem normal do CICV com relação a possíveis violações do DIH é se engajar em um diálogo confidencial, crítico com as pessoas que têm o poder de melhorar a situação. Nossa missão é exclusivamente humanitária: proteger as vidas e a dignidade das vítimas de conflitos armados e outras situações de violência e oferecer-lhes assistência. Participar de uma investigação ou dos procedimentos do TPI poderia comprometer a nossa capacidade de levar adiante o nosso mandato.

  5. Os funcionários do CICV podem ser obrigados a testemunhar perante o TPI ou outros tribunais penais internacionais?  

     

O CICV goza de imunidade em relação a prestar testemunhos diante de tribunais penais, de forma que não pode ser obrigado a testemunhar. Isto foi confirmado em 1999, em uma decisão do Tribunal Penal da ONU para a antiga Iugoslávia no caso Simic . Aquela decisão foi posteriormente aprovada por outros tribunais penais internacionais, como o Tribunal Penal Internacional para Ruanda e o Tribunal Especial para Serra Leoa. O TPI foi além e reconheceu expressamente em suas Normas de Procedimentos e Provas (Norma 73) que as informações que estão em poder do CICV não estão sujeitas a serem reveladas, incluindo sob a forma de depoimentos testemunhais.

Além disso, a grande maioria dos acordos firmados na sede, assinados pelo CICV com os Estados onde a organização opera atualmente, contêm uma cláusula oferecendo esta imunidade para os funcionários do CICV (expatriados e nacionais, atuais e antigos) diante dos tribunais dos países em questão.

  6. É possível promover o DIH durante um conflito?  

     

Certamente. O DIH é um conjunto de normas que busca reduzir as conseqüências do conflito armado por motivos humanitários. Protege as pessoas que não participam (ou não estão mais) participando diretamente de um conflito e restringe os meios e métodos da guerra. O mandato do CICV inclui a promoção do DIH em todas as épocas e lembra regularmente todas as partes em um conflito quanto às suas obrigações em respeitar as normas da guerra.

Além disso, trabalhamos sempre para difundir o conhecimento sobre o DIH, por meio de nossos esforços de disseminação no mundo todo. Todos os momentos são oportunos, uma vez que são sempre os civis, principalmente as mulheres e crianças, que carregam o peso dos conflitos armados.

  7. É suficiente simplesmente lembrar as partes no conflito sobre as suas obrigações?  

Não. Procuramos integrar o DIH na legislação nacional, de forma que os judiciários nacionais tenham leis à sua disposição com as quais possam processar, diante de seus próprios tribunais, aqueles que cometem essas violações. Também trabalhamos com as forças armadas, ajudando-as a incluir o DIH em seus programas de treinamento, doutrinas e operações, em um esforço para evitar ou limitar os abusos em tempos de guerra. Cada parte em um conflito deve estar ciente de seu compromisso em " respeitar e garantir o respeito pelo " DIH em todas as circunstâncias, e deve estar convencida de que cumprir este compromisso é sua responsabilidade.



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