O CICV na Segunda Guerra Mundial: o Holocausto

23 janeiro 2020
O CICV na Segunda Guerra Mundial: o Holocausto
Segunda Guerra Mundial. Em um campo de concentração. ©CICV/hist-1153/27

Em 27 de janeiro é comemorado o aniversário da libertação de Auschwitz em 1945. Para o CICV, também indica um fracasso, a falha para ajudar a proteger os milhões de pessoas que foram mortas nos campos de extermínio. O CICV expressou publicamente que lamenta a impotência e os erros cometidos durante a perseguição nazista e o genocídio.

Sob o regime de Hitler, os judeus foram privados de todos seus direitos e de suas propriedades, confinados em guetos superlotados, forçados a usar uma estrela amarela e submetidos a inúmeras formas de humilhação e brutalidade, à deportação e a massacres. Durante a guerra, o número de intimidações aumentou e os judeus foram sistematicamente deportados para campos de concentração e extermínio, isolados totalmente do mundo exterior.

Em dezembro de 1939, o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) entrou em contato com a Cruz Vermelha Alemã para organizar uma visita dos delegados do CICV aos judeus de Viena que tinham sido deportados para a Polônia. Ele se deparou com uma recusa, já que as autoridades alemãs, sob nenhuma circunstância, aceitaram entrar em uma discussão sobre o destino dessas pessoas.

Desde então, a estratégia do CICV foi evitar continuar abordando a situação dos judeus diretamente, mas fazê-lo apenas com enfoques gerais relativos a vítimas de detenções em massa ou deportações, e sem fazer referência à filiação religiosa ou à origem racial, embora estivesse claro que as pessoas em questão eram, na sua maioria, judeus.

Em 29 de abril de 1942, a Cruz Vermelha Alemã informou o CICV que não comunicaria qualquer informação sobre detidos "não arianos" e pediu que se abstivesse de fazer perguntas sobre eles.

No entanto, as informações sobre a perseguição infligida aos judeus foram filtradas da Alemanha e dos países ocupados pela Alemanha até chegarem aos governos aliados, e o CICV tomou conhecimento de algumas delas.

No verão de 1942, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha debateu o lançamento de uma apelação geral sobre as violações do Direito Internacional Humanitário. Foi elaborada uma proposta, mas finalmente a decisão foi não apresentar o recurso, acreditando que não conseguiria os resultados desejados. O CICV, portanto, continuou com abordagens bilaterais.

Pacotes de alimentos

Um ano mais tarde, o CICV obteve uma autorização de parte do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha para enviar pacotes de alimentos aos prisioneiros nos campos de concentração cujo paradeiro era conhecido. Contava com detalhes de cerca de 50 deportados, para cada um dos quais enviou um pacote e, durante o verão, recebeu a confirmação do recebimento assinada por cada destinatário. Posteriormente, o CICV conseguiu descobrir onde se encontravam prisioneiros outros deportados e ampliou sua operação de envio de pacotes. Em 1º de março de 1945, o CICV contava com detalhes de cerca de 56.000 deportados, e após o fim das hostilidades, de cerca de 105.000. A partir do verão de 1944, a organização complementou os pacotes individuais com envios coletivos. No total, até maio de 1945, foram enviados 122.000 pacotes para os campos de concentração. Mas esta operação não conseguiu atingir aqueles deportados submetidos ao regime mais severo, nem oferecer aos cativos proteção contra torturas ou massacres. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha continuou abordando as autoridades alemãs, com o objetivo de visitar os campos de concentração. Tais abordagens foram recusadas categoricamente.

Em outubro de 1943, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha enviou um delegado chamado Jean de Bavier à Hungria. Em 17 de maio de 1944, Friedrich Born chegou para ocupar seu lugar. Incapazes de impedi-lo, eles testemunharam a onda de deportações para Auschwitz de quase todos os judeus que moravam nas províncias, o que foi organizado pela SS entre 15 de maio e 7 de julho de 1944.

O trabalho de Friedrich Born 

Em julho de 1944, Friedrich Born obteve uma autorização de parte do governo húngaro para proporcionar aos judeus em Budapeste certificados que demonstravam que eles possuíam documentos de imigração emitidos pelos países da América Latina. Tais certificados não permitiam aos judeus em Budapeste deixar a Hungria, que estava rodeada de territórios sob o controle do Reich, mas ofereciam certa proteção.

Além disso, Born estabeleceu cerca de 60 centros de acolhimento de crianças que receberam entre 7 mil e 8 mil crianças judias, incluindo muitos órfãos. Ele colocou sob sua proteção todos os hospitais, abrigos e cozinhas comunitárias que pertenciam à comunidade judaica em Budapeste. Para fazê-lo, ele formou uma equipe de cerca de 3 mil voluntários, a maioria deles judeus, e forneceu documentos que legitimavam seu status.

Essas medidas eram normalmente respeitadas até que o regente da Hungria, o almirante Miklós Horthy, foi destituído em 15 de outubro de 1944 pelo Partido da Cruz Flechada, que, em questão de dias, deportou mais de 50 mil judeus da capital, e os enviou em direção à fronteira alemã.

Friedrich Born, incapaz de evitar tal deportação, distribuiu alguns artigos de emergência aos deportados, que tinham sido privados de tudo. No entanto, ele conseguiu evitar a partida dos últimos comboios, que levavam cerca de 7,500 mil.

Outras atividades na Europa 

Em Bucareste, dois delegados do CICV, Charles Kolb e Vladimir de Steiger, tentaram, entre outras coisas, fazer diferentes propostas que permitiriam aos judeus emigrar para a Turquia e, de lá, para a Palestina ou os países da América Latina. Com o apoio de organizações judaicas, os delegados enviaram tais propostas e fizeram diferentes diligências com as autoridades, mas todas deram em nada, já que era impossível obter a permissão necessária. Contudo, os delegados do CICV conseguiram salvar alguns judeus de serem deportados.

Em 23 de junho de 1944, um delegado do CICV, o Dr. Maurice Rossel, foi para Theresienstadt. Sua visita foi cuidadosamente orquestrada. Ele atravessou o gueto escoltado por oficiais da SS, mas não teve a oportunidade de conversar com os judeus que se encontravam lá, nem de entrar na fortaleza. Dois representantes do governo dinamarquês também participaram da visita.

Em 27 de setembro de 1944, o Dr. Rossel foi para Auschwitz, onde teve a oportunidade de falar com o comandante do campo, mas não foi autorizado a entrar no campo.

Em Dachau

Durante os últimos dias da guerra, os delegados do CICV puderam, pela primeira vez, entrar nos campos de Turckheim, Dachau e Mauthausen. Eles conseguiram evitar execuções de último momento e negociaram a entrega dos campos após a chegada das forças aliadas. O delegado do CICV em Mauthausen, Louis Haefliger, conseguiu obter uma revogação de um pedido, o que evitou a explosão de uma fábrica de aviação subterrânea em Gusen (que formava parte do campo), com os 40 mil0 detidos que se encontravam nela.

Não foi possível para os delegados do CICV evitar a evacuação dos campos de Oranienburg ou Ravensbruck, que aconteceu em terríveis condições. Os delegados apenas puderam tentar distribuir alimentos aos deportados à beira da estrada.

Além do trabalho de Friedrich Born na Hungria e alguns casos esporádicos em outros lugares, os esforços do CICV para assistir os judeus e outros grupos de civis perseguidos durante a Segunda Guerra Mundial foram um fracasso.

Ao participar da cerimônia realizada em 1995 para comemorar a libertação do campo de Auschwitz, o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Cornelio Sommaruga, procurou demonstrar que a organização tinha plena consciência da gravidade do Holocausto e da necessidade de manter a memória viva, para evitar que isso se repita. Ele homenageou todas aquelas pessoas que sofreram ou perderam a vida durante a guerra, e lamentou publicamente os erros e as deficiências do passado da Cruz Vermelha em relação às vítimas dos campos de concentração.

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