Presidente, excelências. Obrigado pela oportunidade de informá-los e obrigado à China por ter convocado o debate aberto de hoje.
Desde meu último informe sobre a Proteção de Civis, observamos um aprofundamento da fragilidade global devido à convergência dos desafios do conflito armado, da pandemia, da retração econômica, do aumento da desigualdade e da mudança climática.
Nos conflitos, estamos testemunhando círculos viciosos de violência com motivações políticas, ideológicas, étnicas, religiosas e criminosas; e violações de normas básicas, que levam a enormes desafios de proteção.
No nível macro, enfrentamos questões como a fragmentação e a proliferação de atores, a privatização da guerra, com exércitos privados e empresas de segurança entrando nos campos de batalha, ampla disponibilidade de armas e violência urbana.
A guerra e a violência dentro de e entre Estados e grupos armados não estatais se tornam ainda mais complexas com a violência intercomunitária que se espalha em muitos contextos.
Como resultado, indivíduos e comunidades locais enfrentam elevados riscos e obstáculos. Aqueles que já estão no final da fila – mulheres, crianças, pessoas com deficiência, minorias, idosos – são os mais atingidos e estão cada vez mais marginalizados.
O CICV divulgou recentemente seu primeiro relatório abrangente que mostra os impactos sistêmicos da Covid-19 nas comunidades que carregam o duplo fardo da guerra e da doença. Gostaria de concentrar meu informe de hoje nestas observações, à luz dos sérios e complexos desafios de proteção que estão surgindo.
Para todos nós, é óbvio que a pandemia não foi apenas uma crise de saúde: ela intensificou as necessidades de proteção preexistentes e criou novas preocupações.
- Vimos os impactos sobre as crianças – famílias separadas, escolas fechadas, assistência médica rotineira e vacinação interrompidas.
- Vimos os impactos sobre as pessoas migrantes, refugiadas e deslocadas – excluídas dos sistemas estatais de saúde e proteção social; "rejeições" nas fronteiras e a negação do direito legal de pedir asilo.
- Vimos os impactos sobre as pessoas detidas – a falta do devido processo e dos procedimentos judiciais colocam vidas – e a esperança – em espera; doenças mortais podem se espalhar rapidamente em instalações cronicamente superlotadas e sem fundos.
- Ou os impactos sobre quem está de luto – e a importância de manter a dignidade dos mortos durante uma emergência, a crise global de saúde mental e o sofrimento silencioso das famílias de pessoas desaparecidas em conflitos.
Colegas, embora a necessidade de sistemas de saúde robustos talvez nunca tenha sido tão grande, paradoxalmente, o sistema de saúde está sendo atacado.
Cinco anos depois de o Conselho de Segurança da ONU ter exigido o fim da impunidade para ataques ao sistema de saúde, nossas observações em 40 países afetados por conflitos mostram que os ataques ao sistema de saúde não cessaram; a prestação de assistência médica continua sendo impedida devido ao desrespeito ao Direito Internacional Humanitário. Também observamos um aumento dos ataques cibernéticos contra instalações de saúde.
Claramente, não está sendo feito o suficiente para proteger os trabalhadores da saúde e as instalações médicas; para colocar em prática a resolução 2286.
Não podemos permitir que hospitais sejam bombardeados impunemente; que doentes e feridos morram desnecessariamente; que doenças se propaguem sem controle; que vacinas que salvariam vidas sejam reservadas para os privilegiados.
Esta crise global traz consigo um imperativo de mudança. A ação coletiva para cuidar das pessoas mais vulneráveis da sociedade nunca foi tão vital.
Precisamos de uma mudança fundamental no comportamento das partes beligerantes nos conflitos. Precisamos de solidariedade política, de investimento em infraestrutura e serviços básicos; precisamos de melhor proteção para os civis e de um apoio mais substancial e mais amplo para a ação humanitária.
Esta é a tarefa urgente dos membros do Conselho: vimos como as decisões tomadas aqui – ou a falta de decisões – podem ter resultados humanitários enormes e devastadores em todo o mundo.
Hoje, chamo a atenção para cinco pedidos fundamentais que fortalecerão a proteção dos civis:
Primeiro, as partes em conflito, e todos aqueles com influência sobre elas, devem respeitar o direito internacional e proteger os civis.
O respeito ao DIH é uma parte fundamental, mas esquecida, da história da Covid-19.
A pandemia nos mostrou que a violação do DIH tem efeitos corrosivos nas sociedades. A destruição dos sistemas de saúde e dos serviços essenciais levou a deslocamentos em larga escala; além de limitar a capacidade das pessoas de resistir a choques futuros.
Além disso, apelamos para um acesso humanitário rápido e sem obstáculos às populações necessitadas. Embora as organizações humanitárias neutras e imparciais devam respeitar as regras jurídicas nacionais e internacionais, os Estados têm a obrigação de facilitar o trabalho delas, não de dificultá-lo com referências ambíguas e vagas à soberania e à segurança.
Segundo, pedimos que os Estados priorizem a plena implementação da resolução 2286, tomando medidas concretas para proteger a assistência médica.
Os Estados que apoiam esta resolução devem dar o exemplo e implementar medidas como: políticas nacionais para assegurar que estruturas internacionais se transformem em medidas de proteção concretas; doutrina e prática militares que protejam a assistência médica durante conflitos, inclusive em operações militares em parceria.
Terceiro, e mais precisamente, esperamos que os membros do Conselho atuem de forma mais decisiva para melhorar sua própria ação e alavancar seu relacionamento especial com aliados, parceiros e representantes em prol do respeito ao DIH.
Não veremos um maior respeito pela lei se os membros do Conselho continuarem apontando para os outros enquanto excluem a si mesmos e a seus aliados e representantes da análise crítica. É fundamental analisar suas próprias operações militares e alavancar relações a fim de melhorar o respeito ao DIH.
Hoje, ninguém vai à guerra sozinho. Através de transferências de armas, treinamento, equipamentos, aconselhamento, assistência, cooperação de inteligência, reforço das capacidades, informação e apoio logístico, os membros do Conselho se envolvem direta ou indiretamente em operações militares em todo o mundo onde, às vezes, vemos violações do DIH.
Ao mesmo tempo, pouca atenção é dada a como o respeito à lei pode ser melhorado aprimorando as próprias operações de um Estado e alavancando sua influência para fomentar o respeito à lei e proteção para os civis e outros que não estiverem em combate. O CICV, no estudo recente "Allies, partners and proxies", propôs uma estrutura para uma reflexão estratégica sobre como minimizar os riscos de violações e maximizar os resultados da proteção em tais situações.
Estamos prontos, de modo bilateral e multilateral, de modo confidencial e diplomático, para trabalhar com vocês para alcançar melhores resultados.
Meu quarto apelo é encorajar os Estados a investir em respostas locais e dar prioridade ao envolvimento da comunidade e à construção de confiança antes, durante e depois das crises.
Vimos os perigos de que as comunidades não confiem nas medidas implementadas pelos governos durante a Covid-19; e vimos a rápida disseminação de informação enganosa, desinformação e rumores, que pode resultar em violência contra os trabalhadores da saúde e os socorristas.
As respostas inclusivas também devem abranger o acesso equitativo a vacinas e medicamentos – tanto entre países como dentro deles, para que nenhuma população seja excluída, como as que vivem em áreas controladas por grupos armados não estatais. Isto é fundamental não apenas para estar à altura dos imperativos éticos e superar a pandemia, mas também para prevenir o aprofundamento das debilidades sistêmicas reveladas por esta crise.
Quinto, pedimos aos Estados que fortaleçam os serviços de saúde, água e saneamento, e que os protejam sempre de acordo com as regras do Direito Internacional Humanitário.
O mau estado dos serviços essenciais pode ter acelerado a trajetória da pandemia da Covid-19, mas, em contrapartida, o CICV também vê como a reabilitação da infraestrutura e das capacidades dá resultado em uma emergência grave.
Fortalecer os serviços essenciais em áreas afetadas por conflitos não é apenas uma questão técnica – requer apoio político. E o CICV teve a satisfação de ver no mês passado, sob a presidência do Vietnã, todos os 15 membros do Conselho copatrocinarem a Resolução 2573, que instava todas as partes em um conflito armado a proteger a infraestrutura civil.
Parabenizamos vocês pela adoção unânime desta resolução e apelamos agora para que ela seja plenamente implementada.
O CICV continua apelando para que todas as partes em conflito armado evitem o uso de armamentos explosivos de amplo impacto em áreas povoadas, devido à grande probabilidade de efeitos indiscriminados. Apoiamos fortemente o processo diplomático em andamento para adotar uma Declaração Política para fortalecer a proteção dos civis contra o uso desses armamentos.
Colegas,
Com uma forte vontade política, podemos aproveitar as boas práticas e ideias inovadoras que estão surgindo da pandemia e transformá-las em políticas mais duradouras para lidar com os motores individuais e sistêmicos da vulnerabilidade.
Essas práticas incluem, por exemplo, maior acesso de requerentes de asilo, refugiados, outros migrantes e de pessoas deslocadas internamente às redes de segurança social e aos sistemas de proteção social.
Ou o uso crescente de medidas não privativas de liberdade para descongestionar as prisões e o uso de tecnologia para facilitar o contato entre as pessoas detidas e seus familiares.
Há muito que podemos fazer – e grande parte disso depende do apoio político.
O CICV oferece sua experiência e seu assessoramento aos Estados e esperamos poder trabalhar mais com vocês.
Obrigado.